Quase posso apostar que eu não fui a única pessoa a ouvir inúmeras vezes o mesmo relato: “Aaaahhh.. mas a Dona Fulana era tão bonita quando jovem!!!”. Fui?
Por quais motivos acabamos por nos deixar levar pelo padrão de beleza do corpo magro? Do cabelo liso? Da pele clara? Ou esticada? Ou da juventude?
Foto: Unicef / Divulgação.
Isso é assunto para inúmeras publicações (que não a nossa de agora) e as respostas a todas estas questões são abrangentes e multifatoriais. Mas de uma coisa podemos estar certos: existe sim beleza na população idosa! E é possível provar!
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil terá aproximadamente 30% de idosos em sua população no ano de 2050, o que corresponde a 64 milhões de pessoas. Isso obviamente representa oportunidades de negócio para as indústrias de cosméticos e, segundo dados divulgados recentemente pela Mintel, a indústria brasileira parece atenta a essa demanda: no segundo semestre de 2015, os lançamentos de produto anti-idade representaram 19,4% do total do segmento de beleza e cuidados pessoais, enquanto que no primeiro semestre deste ano o número subiu para 35%.
Infelizmente, muitos estereótipos negativos estão associados ao fato de envelhecer simplesmente. A medicina segue preservando a ideia de que doenças de pele em sua maioria nada mais são que entraves cosméticos, desfiguramentos menores e manchas que são meramente um incômodo. Esta perspectiva não só é insensível, como também é equivocada. É preciso entender o envelhecimento sob outra visão, enfatizando especialmente as angústias psicológicas causadas pelas mudanças na aparência com o passar do tempo.
Existem teorias que afirmam que, em muitos casos, o que parece ser reação à idade da pessoa nada mais é que a reação à não atração física de idosos individuais (e não de todos os idosos.. simplesmente por serem idosos). Ao aceitar a existência destes estereótipos, assumimos que pessoas atraentes sejam mais capazes de atingir a felicidade a longo prazo.
Existe também a teoria de que a atração pode se tornar infelicidade com o avançar dos anos, já que as vantagens da beleza são extintas com a idade. Alguns autores (Kirkpatrick e Cotton) encontraram que a felicidade no casamento e a boa aparência estavam presentes em casais jovens e desapareciam com o passar do tempo (e da atração). Outros autores (Berscheid, Walster e Campbell) encontraram (fracas!) evidências de que quanto mais atrativa a mulher fosse julgada em fases anteriores da vida, menos feliz e adaptada ela seria ao meio da vida. Borkan e Noms observaram que, em testes clínicos realizados com idosos, pessoas que aparentavam mais idade do que realmente tinham estavam de fato mais idosas de acordo com critérios fisiológicos.
Nos anos 80, Graham e Kligman já se preocupavam com o assunto e buscavam por metodologias para entender a percepção do indivíduo sobre si mesmo e como isso se refletia no mundo ao redor. Eles usavam o que chamamos de “psicologia dos cosméticos”, metodologia que busca quantificar os benefícios do uso de cosméticos na vida das pessoas.
Em suas pesquisas, eles conseguiram demonstrar que o uso de cosméticos melhora consideravelmente a percepção de terceiros sobre cada indivíduo. Isso já é previsto pelo estereótipo de que “o que é bonito é bom”, o qual presume que pessoas atraentes possuem também outras características favoráveis, tais como a impressão de serem felizes, bem sucedidas, etc. Além da avaliação da atração depender do contexto social e de quem a avalia, ela também é dependente da percepção positiva que a pessoa tem de si mesma e o uso de cosméticos contribui para que a percepção sobre si mesmo seja mais favorável.
Como a pesquisa foi realizada? Inicialmente temos a divisão dos participantes conforme o esquema abaixo:
Os testes foram divididos em imediatos e a longo prazo. Os primeiros foram avaliados antes dos tratamentos e logo após a realização. Os realizados a longo prazo foram avaliados com uma semana de antecedência aos tratamentos e um mês após os mesmos. Em ambos os testes, os participantes responderam a questionamentos sobre a percepção de sua própria aparência antes e após os tratamentos, em questões sobre saúde física e mental, envelhecimento, personalidade, autoestima e autoimagem.
Como era de se esperar, os estudos revelaram que as pessoas que receberam o treinamento em maquiagem aprenderam significativamente mais que as pessoas que apenas foram maquiadas. Vale ressaltar que 100% das idosas que receberam cosméticos continuaram fazendo uso deles de maneira regular e consistente após a sessão de maquiagem.
Assim sendo, conseguiu-se confirmar que as sessões de maquiagem tiveram efeitos benéficos em relação à auto-percepção e ao bem estar. Os benefícios encontrados foram: atração física e aparência saudável; vontade de sair de casa, confiança social, vontade de conhecer pessoas; otimismo, aparência confiante; querer ser visto pelos outros, sentir-se feliz com a imagem que vê no espelho; perspectiva sobre a vida e atitude.
Em muitos dos parâmetros acima citados, as idosas consideradas menos atraentes mostraram avaliações melhores. E porque as pessoas atraentes pareceram menos beneficiadas que as não atraentes? Isso pode ser explicado pelo “efeito teto” (“ceiling”), que diz que há menos chances de melhorar algo que tem início já em nível elevado, como melhorar a aparência de uma pessoa cuja aparência já seja agradável ou melhorar o bem estar de uma pessoa que já esteja satisfeita com a própria vida. Além disso, é possível sugerir que as pessoas menos atraentes eram menos habilidosas quanto ao uso de cosméticos e, assim, não se tornavam tão bonitas quanto poderiam ser se bem maquiadas. Além disso, pessoas atraentes já tinham uma imagem mais positiva de si mesmas.
Pode-se concluir (não sem surpresa) que o tipo de maquiagem (passiva ou através do treinamento) não influenciou de formas diferentes a relação das pessoas com os cosméticos. Estes produtos apresentam-se como excelentes veículos para fazer com que as pessoas pareçam mais atraentes e possuam aparência mais agradável aos olhos dos demais. Uma explicação para a atitude mais engajada de idosas que foram maquiadas é que é uma característica do idoso apreciar o fato de ser cuidado por alguém.
Os autores continuaram curiosos sobre o assunto e pesquisaram um pouco mais.
Acabaram por descobrir que as idosas consideradas atraentes se avaliam de forma mais positiva que as consideradas não atraentes quanto ao seu estado de saúde mental, com melhor sentimento geral de bem estar, têm pensamentos mais positivos, são bem adaptadas ao ambiente e à realidade e possuem perspectiva de vida positiva. Tambem estão mais satisfeitas com suas vidas, socialmente mais engajadas e também mais realistas.
O uso de cosméticos a longo prazo bem como a motivação de uso não parecem contribuir para a diferença de atração física entre as idosas dos grupos estudados. Pessoas menos atraentes não precisam usar mais cosméticos ou usá-los com mais freqüência. A mudança necessária não é sobre quantidade, mas qualidade: há necessidade de trazer mais informações sobre novos produtos, técnicas e aplicação efetivas.
Algo curioso observado durante o estudo é que as aplicações cosméticas utilizadas pelas idosas eram, muitas vezes, fora de moda e remetiam ao que era usado quando elas eram anos mais jovens, quando os estilos de cosméticos eram bastante diferentes. Ao terem a oportunidade de serem maquiadas por um profissional, muitas apresentaram certa relutância em ter muitos produtos aplicados sobre a pele e alegaram não querer dar uma má impressão, além de expressarem medo de usar maquiagem na região dos olhos, preocupação infundada sobre possíveis reações alérgicas, etc.
Os autores sugerem que, tendo em vista os benefícios significativos para a auto-percepção adquirida após tratamentos cosméticos (em especial para pessoas menos atraentes), esses tratamentos merecem o status de modalidade terapêutica. A avaliação depreciativa sobre a aparência é capaz de gerar respostas negativas nos círculos sociais pelos quais a pessoa circula e estas, por sua vez, alimentam a avaliação depreciativa de saúde física e mental, além de bem estar, ao longo do tempo.
Eles também observaram melhora em pacientes hospitalizados, nos quais puderam perceber melhora em saúde e bem estar. O mesmo aconteceu para indivíduos em pós-operatório e pessoas portadoras de distúrbios neurológicos (as quais, muitas vezes, têm sua aparência negligenciada). Observou-se que a aparência influencia no tipo de atenção que eles recebem.
Desde os anos 50 na Grã-Bretanha, os tratamentos cosméticos com voluntários treinados têm demonstrado resultados positivos como terapia secundária. Um exemplo curioso é que a Cruz Vermelha oferece cuidados com unhas e cabelos, além de massagem e cosméticos para pessoas adoentadas, idosos e pessoas em depressão. As pessoas beneficiadas reportaram influência favorável dos tratamentos sobre sua saúde física e mental. Desta forma, os programas do tipo têm sofrido expansão.
Considerando-se que o estereótipo “o que é bonito é bom” também se aplique aos idosos, é possível observar um papel importante dos cosméticos em melhorar a vida (como um todo) desta população: os outros os perceberão como mais bonitos e felizes, o que melhora sua autoestima, eventualmente proporcionando mais saúde e gerando padrões de conduta positivos. Segundo Connors, quanto mais atraente a pessoa se sente, melhor ela se sente consigo mesma e isso provavelmente afeta como os outros a veem.
Que tal ganhar uma avó lindona ainda hoje? Está cientificamente comprovado que ensiná-la a se maquiar já é mais da metade do caminho para mais anos felizes de vida!
O vovô Wang Deshun está ficando famoso por questionar o que a China conhece como velhice só através da atitude, hein (leia a notícia aqui)!
Foto: Quan Yajun/ The New York Times, publicado pela Folha de São Paulo.