Segundo o Dicionário Aurélio, uma das definições da palavra “arte” é “o conjunto de atos e atividades pelos quais se busca o belo. O modo de fazer, realizar um propósito”. Pessoalmente, parece-me que desenvolver uma formulação seja o mesmo que produzir uma obra de arte. Assim sendo, estou certa de que exige muito mais transpiração que inspiração.
Que bom seria se todos os obstáculos encontrados pelos formuladores estivessem resolvidos após cinco minutos de raciocínio, não é mesmo?! A questão é que nem sempre estes problemas são claramente previsíveis e, muitas vezes, sua resolução é intuitiva (quer por mera inspiração, por experiências anteriores, por relatos de conhecidos que encontraram o mesmo entrave, etc).
Parece fantasioso demais dizer que é possível predizer a performance de uma matéria-prima durante o processo produtivo e também após o preparo da formulação?
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Em artigo publicado por Gilbert e colaboradores na revista Colloids and Surfaces A: Physicochemical and Engineering Aspects em 2013, afirma-se e demonstra-se que isso tanto é possível como é utilizado como poupador de tempo para melhorar ou ajustar formulações. Quando se conhece a dificuldade da formulação e a performance das matérias-primas, o encontro da solução parece mais fácil e rápido, não?
Neste artigo, os autores buscam entender a correlação entre parâmetros analisados pela reologia (Já esquece que parâmetros são estes? O Cosmética em Foco te explica neste texto.) e dados obtidos através de um equipamento chamado texturômetro. Este é um equipamento científico que mede com precisão a resposta das amostras sob forças de tensão, compressão, penetração, flexão e extrusão, ou seja, ele avalia o comportamento do material ao sofrer uma força, seja fluindo, esticando, apertando, dobrando, quebrando, etc. O resultado obtido reflete a textura da amostra, atributo físico que interfere no processamento, manuseio, prazo de validade e aceitação de produtos. A grande vantagem deste equipamento, além da ampla aplicação (mensura propriedades físicas de alimentos, cosméticos, adesivos, produtos farmacêuticos e outros produtos de consumo), é a resolução de problemas relacionados tanto à qualidade, ao armazenamento e até mesmo ou transporte de produtos.
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Este equipamento já há algum tempo auxilia as pesquisas relacionadas a alimentos e há pouco tempo adentrou o universo cosmético também. Quer um exemplo de como isso é aplicado? Então vamos lá!
Gilbert e colaboradores fizeram a seguinte pesquisa: avaliaram a influencia de alguns modificadores de reologia (o Cosmética em Foco já tratou deste assunto aqui e aqui) na concentração de 1% em uma emulsão controle O/A: alguns naturais (Ceratonia siliqua gum, xanthan gum) ou naturais modificados (também chamados semi-sintéticos) (hydroxypropyl guar gum, hydroxypropylmethyl cellulose, hydroxyethyl cellulose) e outros sintéticos (carbomer, polyacrylamide (and) C13–14 isoparaffin (and) laureth-7, Ammonium acryloyldimethyltaurate/VP copolymer).
Os dados obtidos pelo grupo de pesquisa apontaram comportamentos discrepantes entre os polímeros sintéticos e os naturais. Os primeiros apresentaram viscosidade elevada, altos valores G` e G“ (que são, respectivamente, a capacidade do material de armazenar e dissipar a energia proveniente de sua deformação), correspondentes à formação de uma rede bem estruturada de gel, e grande resistência à penetração e à compressão. Já as emulsões contendo polissacarídeos naturais ou modificados apresentaram baixa viscosidade e valores G` e G“ menos estruturados, semelhante ao comportamento de sistemas de gel menos viscoso.
Através deste mesmo estudo, é possível sugerir como sendo muito importante a definição cuidadosa das condições operacionais para garantir que qualquer grande movimento aplicado ao produto cosmético durante a fabricação, já na embalagem, ou durante a utilização não desconfigure as características iniciais do produto (como aconteceu com a maioria das emulsões contendo os agentes espessantes testados). Ainda segundo os autores, os testes de penetração e compressão fornecem informações de textura relacionadas aos atributos avaliados sensorialmente quando o produto é retirado do recipiente (antes da aplicação do produto sobre a pele), como consistência, firmeza ou rigidez do produto. Além destes testes, o Cosmética em Foco te mostrou recentemente que a tribologia também é capaz de nos auxiliar quanto à compreensão dos atributos sensoriais dos produtos.
Desta forma, a reologia e a análise de textura são ferramentas complementares para que se obtenha uma compreensão mais abrangente do papel desempenhado por determinada matéria-prima em uma formulação. Aqui exemplificamos através da análise de agentes de consistência, mas o raciocínio se aplica a qualquer outra classe de materiais. Além de reduzir o tempo de desenvolvimento de uma nova formulação, otimiza o tempo de ajustes de uma formulação já desenvolvida.
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