Absorção e permeação de ativos pela pele: como isso acontece?

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Para que um creme consiga cumprir com tudo aquilo que promete no rótulo (os claims ou apelos específicos de cada produto), é preciso vencer algumas barreiras na permeação cutânea. E, sendo a pele uma proteção do corpo (em relação à perda de água e proteínas, manutenção da temperatura corporal, síntese de vitamina D, possíveis agressões de agentes externos, tais como micro-organismos, agentes físicos e químicos), não parece tarefa tão simples atravessá-la. É preciso que o produto penetre a epiderme, permeie a derme, para que então seja absorvido pela hipoderme.

Estrutura anatômica da pele.
Foto: Reprodução Toda Materia

Apliquei um creme sobre a pele. E agora?

O primeiro obstáculo a ser vencido é a penetração do produto na epiderme, camada mais externa da pele, em cuja superfície encontramos o estrato córneo, composto por queratinócitos e principal responsável pela proteção. Dependendo das propriedades físico-químicas do produto aplicado, a penetração pode se dar através de duas vias: transdérmica ou transanexal. Na primeira, o produto penetra por entre as células (intercelular) ou por dentro delas (transcelular). Esta via é bastante lenta, em função da extensão e espessura desta camada. Já a via transanexal compreende a passagem do produto pelos folículos pilosos ou através das glândulas sebáceas. Esta via é mais rápida, já que a facilidade de penetração é maior, uma vez que o produto encontra menos resistência no caminho atravessado.

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Tendo conseguido atravessar a epiderme, o produto deve então permear pela derme, segunda camada da pele, mais profunda e pouco vascularizada. É importante destacar que aqui se situam os fibroblastos e as tão famosas fibras de colágeno e elastina. Por fim, o produto é absorvido pela hipoderme, tecido subcutâneo onde se encontram vasos sanguíneos e linfáticos responsáveis por transportar o produtos através da circulação sistêmica até os órgãos.

Agora que já entendemos que não é tarefa simples para a formulação penetrar a epiderme, permear a derme e ser absorvida pela hipoderme. O caminho é bastante tortuoso e exige mudanças estruturais da formulação. Assim, são raros os produtos que conseguem atravessar todas estas camadas. É possível facilitar a travessia? Claro que sim!

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A permeação e penetração de cosméticos

Supondo-se que estejamos falando de uma emulsão: enquanto ainda na embalagem, ela apresenta uma fase externa e outra fase interna. Ao ser espalhada sobre a pele, tanto moléculas polares quanto moléculas maiores ficarão à superfície, uma vez que não são capazes de penetrar o estrato córneo. Já as moléculas hidrofóbicas conseguirão atingir camadas mais profundas, exatamente pela semelhança química com a maioria dos componentes da pele (também hidrofóbicos). As moléculas menores também conseguirão atingir estas camadas, já que passam com mais facilidade pelos caminhos que as moléculas maiores não conseguem.

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O estrato córneo é uma camada composta por células queratinizadas e possui apenas de 7 a 20% da quantidade total de água da pele. Assim, apresenta uma organização muito rígida, como “tijolos e cimento”. A hidratação adequada desta camada faz com que as células fiquem mais maleáveis e menos aderidas umas às outras, proporcionando um maior espaçamento entre elas e permitindo que as moléculas atravessem mais facilmente.

A água presente na formulação pode ser em parte evaporada, juntamente à eventuais outros componentes voláteis, e também se unir a integrantes polares da pele ou ao NMF (Natural Moisturizing Factor). Já os compostos oleosos que não penetraram o estrato córneo podem formar um filme sobre a pele, conferindo poder oclusivo à formulação. Através de mecanismos diferentes, ambas as estratégias hidratam a pele e beneficiam o consumidor que aplica o creme com este propósito. Enquanto tudo isso acontece, o princípio ativo pode ser degradado por enzimas presentes na pele e/ou atravessar as camadas até seu local de ação.

A pele é como um muro de tijolos.
Foto: 9comeback / FreeDigitalPhotos.net

Além da hidratação, a redução na espessura do estrato córneo através do uso de esfoliantes ou mesmo processos mais agressivos como peelings também favorece a permeação.

Além dos fatores biológicos, outro fator que pode ser modificado é a formulação do produto! De acordo com a ação esperada, pode-se adequar a liposolubilidade, o tamanho da partícula, a concentração do ativo, o pH, etc.

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É importante salientar que, dada a funcionalidade de cada produto, seus ativos devem atingir certas camadas da pele e isso está estreitamente relacionado ao objetivo ao qual o produto se destina. Ou seja, não é todo produto que deve obrigatoriamente atingir as camadas mais profundas, como a hipoderme. Ao contrário, muitos produtos cosméticos não devem atingir estas camadas, já que sua ação é tópica, e não sistêmica (relembre aqui o que são as vias de administração tópica e sistêmica).

Os ativos cosméticos percorrem um longo caminho da embalagem até as camadas da pele.
Foto: nenetus / FreeDigitalPhotos.net

Ainda assim, para aqueles produtos que contém ativos que atuam em camadas mais profundas da pele, as estratégias apontadas talvez não sejam capazes de solucionar todas as dificuldades relacionadas à permeação, penetração e absorção dos produtos. Para driblar esta dificuldade, muito se tem pesquisado sobre como facilitar a passagem destes ativos por meio do uso de tecnologia, tal como através de encapsulamento, sistemas nanoestruturados, lipossomas e afins (leia mais aqui).

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Como pudemos observar, muitos são os obstáculos mas muitas também são as estratégias adotadas para driblá-los. A proximidade com a tecnologia vem favorecer a ação dos ativos e das formulações como um todo.

Referência: HARRIS, M.I.N.C. Pele: estrutura, propriedades e envelhecimento. São Paulo: Senac, 2009.

Por Gisely Spósito

Redatora. Farmacêutica-Bioquímica, Mestre em Ciências Farmacêuticas e Doutora em Ciências Farmacêuticas, especificamente em Medicamentos e Cosméticos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP). Tem experiência em Tecnologia de Cosméticos, do desenvolvimento à análise sensorial.

7 comentários

  1. Bom dia! Já existe produtos para pele que penetre todas as camadas da pele ? Pelo que entendi, esse tipo de protudo , ainda não existe no mercado , ou estou enganada. Atualmente, uso o da Mery kay . Parece bom, em relação à alguns que ja testei.

  2. Olá ! Gostei dessa matéria em que você fala sobre a penetraçao do creme em nossa pele. Vou aguardar agora, quais os tipos de creme ou marcas que fazem essa travessia nais quais voce informou. Abraços, Maria Amélia.

  3. Olá Maria Amélia,

    Obrigado por sua pergunta! Na verdade, é difícil para nós e para os consumidores saberem quais cremes penetram mais profundamente pois isso requer testes específicos em laboratório. No entanto, se algum fabricante estudou e comprovou este benefício, certamente ele vai escrever algo no rótulo falando sobre a capacidade do creme de chegar “às camadas mais profundas da pele” ou sobre a tecnologia de liberação dos ativos!

  4. Olá gostaria de saber se assim com os produtos as frutas ou verduras por exemplo uma mascara natural de feita com cenoura e mel, ela vai passar pelo mesmo processo que os cremes?

    1. Olá Claudia, obrigado por seu comentário. Os produtos cosméticos utilizam matérias-primas específicas, diferente dos alimentos minimamente processados, como no caso de produtos feitos em casa. O processo em si é o mesmo, mas o aproveitamento dos ingredientes é diferente, pois a sua máscara de cenoura e mel, por exemplo, tem ingredientes brutos que não serão todos absorvidos pelas células da pele, como no caso de proteínas, por exemplo.

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