Afinal, o que é sustentabilidade?

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Em 2011, publiquei um artigo de opinião da revista Cosmetic Ingredients Magazine número 41 em minha coluna sobre Marketing. O assunto em pauta era sustentabilidade. E eu apresentei a minha visão do que é sustentabilidade corporativa e uma forma holística de se pensar esse conceito tão deturpado atualmente.

Ao ler recentemente um artigo em uma revista internacional de cosmetologia e seguindo sugestão do Ivan (que escreveu um texto muito bom sobre o assunto), decidi resgatar o que escrevi há dois anos atrás para avançar um pouco na discussão desse tema tão presente, mas ao mesmo tempo (ainda) tão negligenciado.

Apresento abaixo uma adaptação do texto que foi publicado na revista em sua versão integral, com alguns ajustes e correções, mas sem atualizar o conteúdo que será pauta de uma breve discussão nossa aqui no Cosmética em Foco nesse mês de setembro, em que ocorre o Sustainable Cosmetics Summit, organizado pelo Organic Monitor.

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Uma visão contemporânea sobre sustentabilidade e marketing

Para qualquer lado que se vá, em qualquer evento ou grupo de discussão, o assunto mais falado na indústria cosmética atualmente é a sustentabilidade. É uma tendência que sem dúvida alguma continuará a mudar a maneira como profissionais de marketing e pesquisa lidam com sua dinâmica de trabalho e com os seus lançamentos.

Mas o que é sustentabilidade? Um dicionário online traz a seguinte definição: “qualidade ou condição do que é sustentável”. Muito longe de discutir a definição do termo, minha intenção aqui é outra. Partindo da definição citada, o que precisaria, então, uma empresa para ser sustentável?

Em tempos de convergência digital, em que os consumidores têm acesso a toda e qualquer informação a apenas um toque de dedo na tela de seus celulares, uma empresa precisa de muito mais do que mera divulgação para ser sustentável. Por isso, minha visão está baseada em três pilares principais, sem os quais não acredito ser possível se manter sustentável no mercado sem ser desmascarado pela sociedade.

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Primeiro pilar: qualidade e idoneidade

A era da qualidade já ficou para trás. A empresa hoje que não oferece produtos de qualidade, não deve nem oferecer seus produtos. Principalmente quando se trata de produtos que potencialmente podem afetar a saúde humana, como é o caso dos cosméticos. Produzir um cosmético de qualidade deixou de ser diferencial competitivo e passou a ser uma exigência de mercado. Quem não tem qualidade vai naturalmente ficando para trás. Então, anunciar aos quatro ventos que a sua marca é melhor que a concorrente porque os seus produtos têm qualidade não faz da sua empresa sustentável.

A Johnson & Johnson, por exemplo, não anuncia sua extensão de produtos infantis como produto de qualidade. No entanto, não há mãe nesse país que desconfie da qualidade e da segurança presentes nos produtos dessa empresa. Neste caso, empresa já consagrada tem sua qualidade reconhecida e muitas vezes tomada como exemplo. É importante destacar, ainda, que nenhuma empresa permanece por mais de 100 anos no mercado – como é o caso da Johnson & Johnson – se não tiver o mínimo que um produto cosmético precisa ter: qualidade e eficácia.

Cabe ainda ressaltar que sem essas duas características dos produtos e serviços oferecidos pela empresa, ela não se mantém no mercado. Logo, não é sustentável. Pois um dos princípios dessa visão de sustentabilidade consiste em a empresa oferecer emprego a cidadãos honestos, zelar por seu bem-estar e não praticar evasão fiscal, ou seja, pagar todos os impostos e tributos. Consideraremos este como sendo o primeiro pilar da sustentabilidade: a idoneidade.

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O segundo pilar: meio-ambiente

Passando ao segundo pilar, as empresas devem atentar para a real preocupação com o meio ambiente. Não basta dizer com orgulho que a sua empresa trata os resíduos e efluentes. Isso é obrigação de qualquer indústria e exigência da Anvisa. Devem ser pauta de todas as reuniões das indústrias cosméticas, não só as grandes, mas todas, assuntos como: tratamento adequado dos resíduos e efluentes, redução no consumo de água e energia, troca de créditos de carbono, uso de matérias-primas e processos que sejam menos prejudiciais ao meio ambiente.

No tratamento dos resíduos e efluentes, não adianta fazer vista grossa. É tratar mesmo. Ir fundo no conhecimento e expertise necessários para ter o melhor tratamento possível – claro que ele deve ser compatível com o tamanho da empresa. Empresas pequenas terão meios menos robustos, mas nem por isso menos eficazes. Gerar indicadores e estabelecer metas para reduzi-los. Pode-se começar gerando menos resíduo de fabricação com processos e formulações otimizados que minimizem as falhas de processo e consequentes descartes de lotes já produzidos. E aqui repousa o compromisso da empresa com a estabilidade do produto que põe no mercado, pois produto não estável ou pouco estável, além de ferir o nosso primeiro pilar da sustentabilidade ainda contribui para gerar mais resíduos. Porque produto “ruim” é produto descartado.

Para reduzir o consumo de água a empresa pode realizar testes de lavagem de seus tanques de fabricação e utilizar o mínimo de água necessária para sua limpeza e sanitização. É importante destacar que esse tipo de procedimento deve ser testado e validado. Não adianta reduzir por conta própria e acreditar que está fazendo bem ao meio ambiente e às vendas. Uma limpeza e sanitização mal feitas podem permitir a contaminação de lotes inteiros de produtos, o que representa grande perda, para a empresa, para os consumidores e para o meio ambiente.

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A redução da energia pode ser uma tarefa diária de todos os colaboradores, principalmente de escritório. Apagar as luzes ao sair da sala, só usar ar condicionado quando for realmente necessário. Aproveitar a iluminação natural com janelas maiores e paredes mais claras. Reduzir as horas extras para diminuir o consumo energético desnecessário. Já temos uma carga horária bastante extensa no Brasil, portanto a hora extra deve acontecer realmente em casos excepcionais, pois ela também contribui negativamente no bem-estar do colaborador – falaremos de qualidade de vida adiante.

No que diz respeito à fabricação dos produtos, utilizar processos que necessitem de menos aquecimento ou aquecer a mínima quantidade de material possível, já compreende uma boa economia. Com isso ganha a empresa que gasta menos, ganha o consumidor que poderá comprar produtos mais baratos e ganha o meio ambiente.

Paralelamente, a empresa pode – e deve – apoiar iniciativas de ONGs e associações sem fins lucrativos para beneficiar a comunidade na qual está inserida. Principalmente por se tratar do mercado cosmético, um bom começo pode ser oferecer oficinas e workshops com a comunidade ou mesmo vender produtos mais baratos para a comunidade local periodicamente. Não é interessante manter uma loja vendendo mais barato, para não canibalizar o mercado e se tornar concorrente dos varejistas locais – ou das consultoras caso o canal de vendas seja a venda direta. Uma alternativa mais enriquecedora para a comunidade é a empresa “adotar” uma praça ou parque nas redondezas, cuidar de sua manutenção e apoiar iniciativas culturais locais. Aos mais sovinas, cabe ressaltar que muitas contribuições sociais da empresa têm impacto direto no imposto de renda. É possível deduzir, fale com seu contador.

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O terceiro pilar: os fornecedores

O que vem acontecendo cada vez mais no Brasil é o lançamento de produtos com apelo de ingredientes naturais ou orgânicos. E aqui está nosso terceiro pilar da sustentabilidade. Optar por ingredientes de origem vegetal nem sempre é sinônimo de cuidado e atitude sustentável. É preciso auditar os fornecedores e ter certeza de que eles e os fornecedores deles estão de acordo com a política de meio ambiente da sua empresa. Veja o caso da multinacional do ramo de vestuário Zara, envolvida em um escândalo de suposto trabalho escravo. Segundo a companhia, o fato aconteceu em um de seus fornecedores, mas isso impactou diretamente na imagem da marca. Afinal, era ela que, indiretamente, ajudava a financiar essa prática.

Voltando aos cosméticos, então, o uso de matérias-primas e embalagens com ingredientes vegetais é um fator importante, sim, nesse processo de busca da sustentabilidade desde que se tenha a certificação da origem desses ingredientes. Por isso já existem vários órgãos certificadores, principalmente na Europa. Também vem de lá a tendência de formulações inteiramente orgânicas e certificadas por algum órgão.

Se a sua empresa não pode comprar uma matéria-prima certificada, por conta do custo ligeiramente mais elevado, realize auditorias nos fornecedores e terceiros. Procure conhecer todo o processo envolvido na coleta, processamento e transporte dos produtos e serviços oferecidos. Por outro lado, se sua empresa já está mais avançado no tema sustentabilidade, comece a pressionar seus fornecedores e terceiros para o mesmo objetivo.

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Por mais que muitos analistas e consultores de mercado afirmem que os produtos orgânicos tem um bom mercado consumidor, sou da corrente que acredita que a maioria dos consumidores não abre mão da qualidade e eficácia de seu produto cotidiano por um natural ou orgânico. Primeiro por conta do custo mais elevado que dificulta a compra para experimentação. Depois porque o desempenho não é o mesmo. É claro que há exceções e há público para esse tipo de produto, sim. Um público consciente e de certa forma ativista, mas ainda um nicho de mercado que está longe de se tornar maioria. Mesmo na Europa ou Estados Unidos, onde há mais consciência com esse tipo de consumo-cidadão.

Conceito multidisciplinar

Enfim, o que se pretendeu abordar nesses parágrafos foi que a sustentabilidade está muito além de um simples ato isolado. É um conceito multidisciplinar e multidepartamental dentro de uma empresa. Se você se interessou pelo tema, comece sugerindo – ou criando – uma comissão de sustentabilidade para a sua empresa, seja ela grande, média, pequena ou micro – quanto menor a empresa, mais fácil implementar esse sistema de sustentabilidade. Aos poucos essa comissão vai agindo, com a ajuda de todos em prol de soluções que se sustentem e que sejam, de alguma forma, “qualidade ou condição do que é sustentável”. Pense nisso e no impacto das ações de divulgação das atitudes sustentáveis da sua empresa.

Aproveite também para aplicar os conceitos de redução aqui citados, garantir a qualidade dos produtos e iniciar uma nova trajetória na história da sua empresa. Uma trajetória sustentável de uma empresa que realmente se preocupa com o mundo em que vivemos. Não poderia terminar esse texto sem citar a Natura como benchmark, ou seja, um exemplo a ser seguido. Uma empresa que pratica sustentabilidade em todos os elos da cadeia. Do produtor às suas consultoras, passando pela fabricação e entrega dos seus produtos. Lembre-se de mirar os bons exemplos! Assim como as pessoas, toda empresa tem seus pontos de melhoria e suas falhas, mas não devemos nos espelhar no que se faz de errado. Espelhe-nos bons exemplos.

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Por Gustavo Boaventura

Criador e Diretor de Conteúdo. Farmacêutico Industrial pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista em Pesquisa & Desenvolvimento de Produtos Cosméticos. Mestre em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com foco no consumo de cosméticos masculinos. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Experiência em Pesquisa & Desenvolvimento de produtos capilares. É o idealizador e criador do Cosmética em Foco e escreve desde 2007.