As peculiaridades do microbioma cutâneo humano

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Se tem um assunto que desperta o interesse dos consumidores de produtos cosméticos, habituados desde a infância à ingestão dos “lactobacilos vivos”, e ainda intriga pesquisadores e desenvolvedores de produtos cosméticos é o microbioma cutâneo.

Caso você ainda não tenha tido a oportunidade de ler o texto publicado em 2017 pelo Cosmética em Foco sobre o assunto, aconselhamos a leitura. Tendo ciência dos conhecimentos lá compartilhados, poderemos melhor entender as evoluções da ciência nesses últimos anos. Considerando que esta é uma área de grande interesse na área cosmética atual, muitas tem sido as descobertas.

A microbiota humana

Indivíduos adultos abrigam aproximadamente 1 trilhão de bactérias, o que representa dez vezes o número de células da própria pessoa. O Projeto Microbioma Humano, estabelecido em 2007 pela National Institutes of Health (EUA), tem por objetivo identificar e caracterizar o microbioma. O projeto ainda visa explorar a ligação existente entre as doenças e evolução do microbioma, além de desenvolver novas tecnologias e ferramentas analíticas para análise de doenças crônicas. Estudos sobre o microbioma intestinal tem sido o primeiro foco de atenção, seguido pelos estudos da pele. O microbioma humano é o habitat de microrganismos que coexistem na superfície e dentro do corpo, onde comunidades complexas de bactérias, fungos e vírus prosperam. Sua composição depende das características da pele, como a concentração das glândulas sebáceas, umidade, temperatura, genética do hospedeiro e fatores ambientais exógenos.  

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Estudos recentes revelam que a camada mais externa da pele está intimamente ligada ao seu microbioma, representando a primeira linha de defesa do organismo. A composição do microbioma em seres humanos saudáveis consiste em, pelo menos, 19 filos, dos quais Actinobacteria, Firmicutes, Proteobacteria e Bacteroidetes são os filos bacterianos mais predominantes, desconsiderando a predominância por área do corpo. Dentro desses filos, os 3 gêneros mais abundantes são: Propionibacterium, Corynebacterium e Staphylococcus. As espécies de Propionibacterium dominam as áreas sebáceas, e as espécies de Staphylococcus e Corynebacterium dominam áreas úmidas.

Uma distinção pode ser feita entre espécies. As espécies comensais estão em contato com a pele e as membranas mucosas de um hospedeiro sem causar doença. Já as espécies patogênicas são capazes de causar doenças a hospedeiros com sistema de defesa saudável. E as espécies oportunistas pode se tornam patogênicas quando as defesas do hospedeiro estão enfraquecidas.

A maioria das bactérias da pele são comensais, não prejudicam o indivíduo e contribuem para a diversidade do microbioma. Essa diversidade pode promover a competição contra bactérias patogênicas pela presença de fatores antimicrobianos, competição e ocupação de superfície e pH ácido por exemplo. Desta forma, os comensais podem modular o sistema imunológico, direcionando-o para atacar os microrganismos causadores de doenças, o que pode reduzir a gravidade das doenças inflamatórias. Distúrbios a esse equilíbrio podem permitir a colonização por espécies oportunistas e bactérias patogênicas, capazes de causar doenças ou infecções de pele.

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A microbiota da pele desempenha papel relevante para sua função barreira, na proteção do organismo contra as ameaças oferecidas pelo meio ambiente. Para cumprir esse papel, a microbiota permanece dinâmica ao longo da vida humana.

Alterações naturais do microbioma cutâneo humano

O nascimento representa mudanças drásticas para a pele do recém-nascido, que sofre a transição repentina de um ambiente aquoso para o ambiente atmosférico. Imediatamente após o nascimento, a pele do recém-nascido é colonizada por microrganismos. Pesquisadores descobriram que esta colonização depende da via através da qual se deu o nascimento: a microbiota de bebês nascidos por parto normal assemelha-se às bactérias vaginais da mãe, com predominância de Lactobacillus, enquanto a microbiota dos bebês nascidos por cesariana assemelha-se às bactérias cutâneas, como Staphylococcus, Corynebacterium e Cutibacterium (anteriormente denomidadas Propionibacterium); neste caso, a diversidade da microbiota apresentou-se reduzida em relação aos recém-nascidos por parto normal. Essa redução de diversidade pode causar alteração nas funções nutricionais e imunológicas do indivíduo, podendo explicar parcialmente a maior suscetibilidade de bebês nascidos por cesárea a certos patógenos e alergias. Pesquisadores observaram que a via de parto tem um impacto no microbioma cutâneo das crianças de até 10 anos. Diferentemente dos adultos, observou-se que a microbiota dos recém-nascidos não se apresentou diferenciada em diferentes partes do corpo.  

A maturação gradual da composição, função e estrutura do microbioma da pele continua ao longo dos primeiros anos de vida. Observou-se um declínio das espécies de Staphylococcus e Streptococcus, o que pode contribuir para o aumento da diversidade da população. O microbioma da pele em bebês se estabiliza com o tempo e, como em adultos, torna-se progressivamente específico do local: este processo começa nos primeiros 3 meses de vida e reflete um equilíbrio entre o influxo de cepas microbianas e seleção. Picos no número de gêneros por indivíduo foram encontrados aos 6 e 9 meses de vida, correspondendo aos períodos em que a atividade física começou a aumentar e as fontes de alimentos começaram a se expandir.

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Estudos sobre a microbiota infantil revelaram que os principais filos encontrados foram semelhantes aos encontrados em adultos, como Proteobacteria, Firmicutes, Actinobacteria e Bacteroidetes, com os mesmos gêneros, mas em proporções diferentes. Por exemplo, a pele das crianças contém bactérias menos lipofílicas (Actinobacteria, predominantemente Cutibacterium), já que o nível de sebo tende a ser menor do que em adultos.

Durante a transição pela puberdade, o microbioma da pele demonstrou mudar notavelmente, de uma predominância de Firmicutes, Bacteroidetes e Proteobacteria para as Actinobactérias mais lipofílicas (Corynebacterium e Cutibacterium). A maior produção de sebo tem sido associada à supercolonização pela bactéria comensal Cutibacterium acnes. Esta perda da diversidade de cepas leva a um desequilíbrio da microbiota da pele (desequilíbrio este chamado disbiose cutânea) e potencialmente para acne. Embora estas bactérias dominem a microbiota dos folículos pilossebáceos em indivíduos com e sem acne, estudos recentes indicaram que a maior abundância de alguns filos com o potencial para atuar como patógenos oportunistas está associada a casos de lesões de acne.

As diferenças fisiológicas e anatômicas mais pronunciadas entre homens e mulheres que surgem na adolescência, como suor, sebo e produção de hormônios, também são apontadas como possíveis explicações para as diferenças entre o microbioma cutâneo observado entre adultos de sexos diferentes.

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Embora a composição microbiana da pele de indivíduos saudáveis permaneça estável durante idade adulta, mudanças fisiológicas relacionadas à idade – particularmente alterações na secreção de sebo, função imunológica e diminuição no suor – pode afetar o microbioma da pele de indivíduos mais velhos. Observou-se que os adultos de mais idade (50-60 anos) apresentaram redução na diversidade bacteriana quando comparados aos adultos mais jovens (25-35 anos), independentemente de sexo. Pesquisadores também observaram que, entre indivíduos mais velhos, a riqueza de espécies em homens mais velhos apresentou-se reduzida quando comparada às mulheres mais velhas. Essas diferenças de sexo foram atribuídas especialmente às diferenças fisiológicas entre microambientes de pele masculina e feminina, como hormônios, metabolismo, taxa de transpiração, teor de lipídios e pH, mas também pode estar associado ao uso de cosméticos ou exposição solar.

É importante considerar que a composição do microbioma da pele é heterogênea, com variação de pessoa para pessoa, dependente da localização no corpo (varia por características fisiológicas), sexo, idade, etnia e meio ambiente (clima, estresse, dieta, estilo de vida, medicamentos utilizados, higiene, hábitos). 

Desta forma, a biodiversidade do microbioma cutâneo pode estar diretamente relacionada à saúde geral da pele, uma vez que os distúrbios de pele, como dermatite atópica e psoríase, estão frequentemente associados à disbiose.

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Avanços nas técnicas de sequenciamento de última geração (NGS) estimularam a pesquisa sobre a composição de o microbioma da pele e suas implicações para a saúde e possíveis condições específicas de pele. Técnicas atualmente utilizadas, como sequenciamento do gene 16S rRNA e sequenciamento completo do genoma (WGS), são capazes de revelar associações entre o microbioma da pele e a condição cutânea do indivíduo para grande variedade de distúrbios de pele, incluindo acne vulgar, dermatite atópica, rosácea e psoríase. E este será o assunto do próximo texto dessa série sobre microbioma.

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Por Gisely Spósito

Redatora. Farmacêutica-Bioquímica, Mestre em Ciências Farmacêuticas e Doutora em Ciências Farmacêuticas, especificamente em Medicamentos e Cosméticos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP). Tem experiência em Tecnologia de Cosméticos, do desenvolvimento à análise sensorial.

1 comentário

  1. Boa tarde!

    Com a tendência e busca de produtos com um maior cuidado ao microbioma cutaneo humano, gostaria de questionar se hoje existe algum tensoativo, que venha para substituir o Lauril Eter Sulfato de Sódio, que além de ser menos agressivo aos humanos também seja menos agressivo para o meio ambiente.

    Obrigada!

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