Há alguns dias profissionais da área cosmética de todo o mundo discutem no LinkedIn uma questão um tanto interessante: o uso de expressões do tipo “free of” (em português seria “livre de”, “sem” ou “não contém”) para vender produtos. A pergunta era “Does the ‘free of’ claim make sense?” (Os apelos de marketing “não contém” fazem sentido?”).
A partir daí uma série de respostas surgiu e a discussão já se estende por mais de uma semana, apesar de haver um senso de que pode haver algum limite aceitável em situações em que o ingrediente que “não contém” no produto seja causador de alergia, o consenso entre os profissionais é de que esse tipo de chamada não faz o menor sentido. Parte da minha defesa foi a seguinte: se o ingrediente em questão causa alergia, não é melhor colocar no rótulo “hipoalergênico” e fazer todos os testes necessários para garantir isso ao invés de induzir seus clientes a acreditarem que por não conter, por exemplo, parabeno em seu produto ele não causará alergia?
Indo além da alergia, se eu decidir envasar e comercializar água, poderei dizer que é “sem parabenos”, “sem álcool”, “sem perfume”, “sem PEG”, “sem formol”, “sem chumbo”, “sem corantes”, enfim… sem qualquer ingrediente desses que o próprio mercado cosmético decidiu atacar e marginalizar, torná-los vilões. A minha opinião sincera a respeito do assunto é que é melhor eu gastar espaço no rótulo dizendo ao meu consumidor o que o meu produto tem de bom e de positivo do que o que ele não contém. Ainda no exemplo da água, eu poderia agora dizer ao meu público-alvo que se trata de água do mar mediterrâneo obtida por um processo exclusivo que realça seus efeitos hidratantes da pele.
Os profissionais de Marketing e P&D têm andado muito preocupados com seus concorrentes e vêm se esquecendo do principal: seus consumidores. São eles quem ditam as regras do jogo. Eles quem escolhem que produtos comprar. Se meu concorrente usa parabeno, não é a ausência deles no meu produto que vai atrair consumidores. E esse tipo de abordagem acaba criando lendas e crendices que só fazem piorar todo o setor.
Em uma abordagem não científica, perguntou-se a consumidores o que significava o produto ser “sem parabeno” e a grande maioria respondeu “não faço ideia, mas se não contém é porque ele deve fazer mal”. Por outro lado, um relato interessante de um colega no grupo de discussão foi a de ele tentar explicar a consumidores o que significava o produto ser “livre de” algum ingrediente e todos os consumidores terem desconversado e saído de fininho para fugir da explicação. Será que eles também não querem saber a verdade? Será que não querem se sentir enganados ou reconhecer que foram persuadidos pela publicidade? Primeiro: nem tudo o que é publicidade é necessariamente mentira. Mas também não vamos assumir que tudo o que a publicidade nos diz seja a absolutamente verdade.
A ideia geral desse texto é propor uma reflexão mais profunda. Se é sem sentido dizer que o produto não contém alguma coisa, se os consumidores não querem saber o que significa aquela coisa, se os profissionais se aproveitam dessas polêmicas para difundir informações distorcidas é porque os consumidores também aceitam qualquer resposta e se dão por satisfeitos. Venho observando isso há anos aqui no Cosmética em Foco. Tentamos informar e esclarecer os assuntos e não me canso de receber e-mails de consumidores questionando o assunto do texto, esperando que, de alguma forma, eu confirme o que eles querem saber sobre determinado assunto. Portanto, pensem, reflitam, tirem suas dúvidas e contem com toda a equipe do Cosmética em Foco para isso – aproveitando o momento, já adianto que a partir desse mês temos um novo colaborador se unindo ao grupo.
Do ponto de vista científico, eu penso que estes apelos definitivamente não fazem sentido algum.
Do ponto de vista do marketing, eu acredito que inicialmente talvez algumas empresas tenham recebido uma resposta positiva com esta abordagem. Afinal, como bem exemplificado no texto, os consumidores muitas vezes se deixam levar pelos apelos. Mas eu não acredito que esta estratégia seja sustentável. Não adianta tirar n substâncias de um produto e achar que isso vai torná-lo preferido. Especialmente no Brasil, existem outros parâmetros que são mais importantes aos olhos dos consumidores…
E do ponto de vista do consumidor, um levantamento piloto realizado pelo nosso grupo de pesquisa (GECIN-FCFRP-USP), mostra que quase 81% dos entrevistados declararam não saber o que são os "parabenos"; 18% declararam que não se sentem confortáveis para usar produtos que contenham parabenos e praticamente 70% não sabe o que dizer a respeito, possivelmente por não conhecer os riscos ou benefícios. O piloto contou com 98 usuários altamente letrados!
Mais resultados sobre este estudo serão apresentados na próxima conferência da IFSCC no Rio…