Como funciona a hierarquia legislativa para regulação de cosméticos?

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Temas Regulatórios

Como funciona a hierarquia legislativa para regulação de cosméticos?

É muito comum a dúvida quanto à hierarquia de normas aplicáveis a produtos regulados pelo sistema de vigilância sanitária, como os cosméticos. Para aqueles que não são advogados, pode parecer complicado entender a relação entre a Constituição, leis, decretos, portarias do Ministério da Saúde e Resoluções da ANVISA.

Inicialmente, é importante mencionar que a Constituição Federal está no topo da pirâmide normativa. É ela que garante fundamento para todas as leis, decretos e regulamentações do Ministério da Saúde e da ANVISA.

A Constituição menciona a proteção da saúde em vários artigos e dela decorre a competência da União para definir normas e obrigações que, embora restrinjam o direito à livre iniciativa de empresas, tenham por fundamento a proteção da saúde.

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Na esfera legal, a Lei nº 6.360/1976 define os parâmetros gerais para empresas e produtos sujeitos ao sistema de vigilância sanitária. É a lei que deve definir, ao menos em termos gerais, as obrigações para comercialização, importação, registro de produtos cosméticos.

Os decretos são editados com a função de detalhar obrigações previstas em lei, como, por exemplo, o Decreto nº 8077/2013, que regulamentou a Lei nº 6.360/1976. Ou seja, os limites legais dos decretos regulamentadores são definidos pelas leis a que se referem.

A competência do Ministério da Saúde decorre da própria Constituição Federal (art. 87) e tem por objetivo expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos. As portarias são atos administrativos que contém instruções acerca da aplicação de leis ou regulamentos, recomendações de caráter geral. As instruções normativas são, em teoria, atos administrativos internos, que estabelecem diretrizes e normatizam métodos para a administração interna. Na prática, portarias e instruções normativas de vigilância sanitária são endereçadas aos particulares.

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Com relação à regulação editada pela ANVISA, cabem esclarecimentos adicionais. A Lei nº 9.782/1999 define a competência normativa da ANVISA, autorizando-a a elaborar a regulação de vigilância sanitária. Contudo, juridicamente, o poder normativo da ANVISA não abrange o poder de regulamentar leis e, principalmente, não autoriza a criação de novas obrigações que não foram previstas em lei. O princípio da legalidade exige que as obrigações a que se submetem os agentes regulados tenham seus contornos definidos por lei.

Em resumo, as regulações da ANVISA poderiam: (a) regular a atividade interna da agência; (b) interpretar, explicitar e detalhar conceitos jurídicos indeterminados ou obrigações contidos em lei, sem inovar na ordem jurídica.

Nesse sentido, na Ação Direta de Constitucionalidade nº 1668, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a competência normativa das agências reguladoras natureza regulamentar, devendo respeitar os parâmetros legais.

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Contudo, em um mundo com questões técnicas muito complexas, há grande discussão sobre a viabilidade e eficiência de que obrigações eminentemente técnicas sejam definidas em leis e decretos.

Além disso, como a regulação expedida pelo Ministério da Saúde e pela ANVISA tem como função principal da proteção do direito à saúde, haverá sempre o argumento de que as obrigações por eles criadas visam ao bem maior da proteção da saúde e segurança dos consumidores, da coletividade. Nesse sentido, a observação de que os órgãos de vigilância sanitária passaram a integrar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, implementado por meio do Código de Defesa do Consumidor, acaba funcionando como um argumento a favor da abrangente regulação do Ministério da Saúde e da ANVISA.

Por Elizabeth Fernandes Alves

Elizabeth Alves Fernandes é mestre e doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre pelo Colégio Europeu de Parma e advogada sênior do Tauil & Chequer Advogados Associado a Mayer Brown LLP. Escreveu para textos na coluna Temas Regulatórios em 2014.