Contém extrato vegetal disso e daquilo

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Adicionar extratos vegetais a produtos cosméticos é uma prática bastante comum principalmente porque, entre outros fatores, transmite a mensagem de um produto mais natural, mais “vegetalizado” e mais seguro. Por exemplo, a cultura popular recomenda o uso de chá ou compressas de camomila para aliviar inchaços e inflamações. Portanto, nada mais óbvio que colocar extrato de camomila em um produto pós-depilatório ou pós-barba, certo? Bem, pelo menos esta tem sido a lógica de muitos formuladores. Mas será que adicionar esses extratos vegetais vai melhorar a eficácia do meu produto? Depende, e depende de muitos fatores…

A primeira pergunta a se fazer é se a eficácia do extrato vegetal é realmente importante! Para alguns formuladores, marcas ou fabricantes o extrato vegetal é apenas secundário, está presente somente por um fator de marketing e imagem do produto. Nesses casos, costuma-se adicionar um outro ingrediente ativo responsável por garantir a eficácia do produto e aí pouco importa se tal extrato terá algum efeito, contanto que seja seguro. Para este tipo de produto, as informações que o fabricante dispõe sobre o extrato vegetal costumam ser mais generalizadas e o controle de qualidade é feito por parâmetros organolépticos (cor, odor); físico-químicos (pH, densidade, índice de peróxidos) e microbiológicos (contagem microbiana) mais tradicionais.

Fitocosméticos são cosméticos contendo sucos, chás ou extratos vegetais.
Foto: Serge Bertasius Photography / FreeDigitalPhotos.net

Por outro lado, alguns produtos chegam ao mercado fundamentados em uma estratégia bastante voltada à vegetalização, de modo que os extratos de plantas são percebidos como foco primário. Nesses casos, o formulador e a marca estão realmente preocupados com a eficácia proporcionada pelo extrato vegetal, de modo que muitos dos apelos de marketing do produto estão relacionados à presença de tal extrato. Para este tipo de cosmético, o fabricante costuma exigir mais informações de seus fornecedores de extrato, como estudos de eficácia e de composição química da matéria-prima. Ou seja, além dos parâmetros de qualidade já citados, o fabricante poderá exigir, por exemplo, a determinação do teor de bisabolol naquele extrato de camomila. De fato, cada planta possui marcadores químicos que permitem distinguir os diferentes extratos.

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É claro que esta divisão em duas categorias de produtos conforme a utilização de extratos vegetais é bastante simplista, mas reflete a realidade de muitos cosméticos naturais ou “fitocosméticos” de hoje em dia, com uma semelhança considerável. Portanto, não necessariamente a eficácia está ligada ao extrato vegetal. Mas tudo bem, desde que o produto cumpra com o prometido, não é mesmo?! Na posição de consumidor, eu particularmente não me importo com a eficácia do extrato, mas desconheço a opinião da maioria.

Na verdade, obter informações mais refinadas sobre um extrato vegetal, como realizar estudos de eficácia ou de padronização de teor de ativos, embora possível, é também um processo muito caro e moroso. E não é porque o extrato funcionou na formulação que foi testado, que será eficaz também em fórmulas diferentes. Mas o fato é que quando o fabricante dispõe dessas informações tão específicas e valiosas, ele estrategicamente costuma mostrar aos consumidores por meio de apelos nos rótulos e propagandas de seus produtos. Então, quanto mais informações sobre o extrato no rótulo, maiores as chances da eficácia do produto estar relacionada ao extrato! Não há como ter certeza, pois isso é segredo industrial.

E porquê isso é importante?! Do ponto de vista do consumidor, o grau de importância depende de cada nicho de mercado. Há os consumidores que se importam e os que não dão a mínima. Talvez este outro texto te ajude a ter uma melhor compreensão sobre isso. Já do ponto de vista do formulador e da marca, isto é extremamente importante!

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Extratos vegetais podem ser padronizados conforme o teor de um marcador químico, que deve ser similar de lote a lote.
Foto: Markuso / FreeDigitalPhotos.net

O conhecimento profundo sobre a qualidade e a natureza dos ingredientes que são adicionados nas formulações cosméticas é uma obrigação prevista em lei, na ausência do qual o fabricante pode ser litigiosamente penalizado. Por exemplo, dizer que um produto contém extrato de camomila e não poder comprovar a presença de extrato de camomila pode custar muito dinheiro e toda a imagem de uma empresa. Um caso semelhante está na corte dos Estados Unidos depois que a Bloomberg News resolveu testar a presença de aloe vera em uma gama de produtos de grandes varejistas e não encontrou! Algo semelhante ao que o Fantástico fez no Brasil com os medicamentos genéricos.

Na verdade, esta prática de uma entidade testar produtos de um certo mercado para produzir uma movimentação social é muito comum em outros países, e não ficaria fora do Brasil por muito tempo. Chamados em inglês de “watchdogs”, tais entidades têm diversos propósitos e algumas fazem estudos verdadeiramente responsáveis que visam o benefício do consumidor. Nem sempre é o caso. É por isso que formuladores, marcas e fabricantes devem estar mais atentos do que nunca aos apelos de seus produtos e à qualidade de suas matérias-primas.

Será que empresas como Wal-Mart, Target, CVS e Walgreens (gigantes do varejo norte-americano) estavam vendendo cosméticos que diziam conter aloe vera, sem na verdade ter aloe vera? Será que o teste patrocinado pela Bloomberg, que buscava determinar o teor de marcadores químicos da aloe nos produtos finais, é realmente um teste adequado? Será que tais varejistas foram enganados pelos fornecedores de extratos vegetais? Será que compraram gato por lebre? Gel de CMC em vez de gel de aloe?

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Eu não sei e, honestamente, acho que os consumidores nunca vão saber. Mas com certeza a imagem dessas empresas vai ser balançada em algum grau e eles vão gastar um bom dinheiro no processo litigioso que vai se arrastar por alguns anos. O que eu sei, é que se eu fosse lançar a minha própria marca de cosméticos com extratos vegetais, eu procuraria saber o máximo possível sobre tais extratos, inclusive pra poder provar que os extratos estão lá! Eficácia? Hum… talvez extratos padronizados tenham muito mais a oferecer!

Por Ivan Souza

Coordenador de Conteúdo. Farmacêutico Industrial pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). MBA em Gestão Empresarial (UEM). Doutor em Ciências pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP). Experiência em pesquisa e desenvolvimento de inovações no setor cosmético e farmacêutico.