Emulsão água em óleo ou óleo em água?

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Emulsões, também conhecidas como cremes ou loções, são a forma cosmética mais consumida. Existem diferentes tipos de emulsões, mas uma classificação técnica em particular causa certa confusão entre formuladores aprendizes. Será que a emulsão é óleo em água (O/A) ou água em óleo (A/O)?

Basicamente, uma emulsão é uma dispersão estável de duas fases que não se misturam, por meio de um agente tensoativo ou emulsificante. Tais fases normalmente constituem dois líquidos, como o óleo e a água, que não se misturam naturalmente. Mas também podem ser um líquido e um gás, como a espuma do xampu, que nada mais é que uma emulsão de água e ar. A presença do tensoativo torna esta mistura possível e relativamente homogênea. Mas como se tratam de dispersões, significa que uma fase está incorporada em outra, quase como se uma estivesse dentro da outra, ou seja, temos uma fase interna (dispersa) e outra externa (contínua), segundo o jargão técnico.

Emulsão sob microscópio de luz no aumento de 400X
Foto: Cosmética em Foco

Ao se preparar emulsões, de um modo bastante generalizado, combinam-se uma fase aquosa com outra oleosa, e aí surge a dúvida: o que determina se a minha emulsão será uma dispersão da fase oleosa na aquosa ou vice e versa?

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E com a dúvida surgem os mitos! Então, primeiro vamos falar sobre o que não é verdade.

Mito 1 – “A ordem de adição determina se a emulsão será A/O ou O/A”. Adicionar a água sobre o óleo não necessariamente resulta em uma emulsão do tipo água em óleo. Não é a ordem de adição que determina qual fase comporá a fase contínua ou a dispersa.

Mito 2 – “A fase que estiver em maior proporção na fórmula será a fase contínua”. Ter mais óleo que água não irá necessariamente resultar em uma emulsão na qual o óleo seja a fase externa. Na verdade, as formulações A/O mais estáveis normalmente contém de 20 a 35% de fase oleosa.

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Mito 3 – “Emulsões cuja fase externa é oleosa são sempre mais pegajosas e desagradáveis”. Com os tensoativos modernos disponíveis hoje é possível  obter formulações do tipo A/O com sensorial tão agradável quanto as do tipo O/A, fato combinado com a vantagem de emulsões A/O serem intrinsecamente mais resistentes à água (ideal para maquiagens e fotoprotetores).

Mas afinal, o que determina se a emulsão será O/A ou A/O?

A resposta está na escolha do tensoativo. Como já discutimos aqui, cada tensoativo tem um valor próprio de EHL – Equilíbrio Hidrófilo-Lipófilo, ou seja, uma razão entre sua afinidade e repulsão à água. Em geral, tensoativos de EHL baixo (EHL entre 4 e 8) são ideias para emulsões do tipo A/O, ao passo que tensoativos de EHL alto (entre 10 e 16) formam emulsões do tipo O/A. O motivo é que tensoativos de EHL baixo têm maior afinidade pelo óleo que pela água, de modo que são mais eficientes em manter o óleo na fase externa. E o contrário também é correto para tensoativos de EHL alto.

Como confirmar se a emulsão é realmente O/A ou A/O?

O teste mais eficiente e certeiro é o teste de condutividade elétrica. Feito em um aparelho chamado condutivímetro, o teste permite verificar se uma corrente elétrica pode ser transmitida pela fase contínua de uma emulsão. Se a fase contínua for aquosa, a corrente elétrica é mensurada, se for oleosa, não se percebe corrente elétrica pois óleos são péssimos condutores.

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Outros testes mais simples, porém às vezes mais difíceis de interpretar são o teste do corante e o teste da gota.

No primeiro caso, adiciona-se um corante compatível com a esperada fase interna, e depois se verifica no microscópio se o corante está aprisionado nas gotículas da fase interna. Por exemplo, se a fase interna é oleosa, usa-se um corante solúvel em óleo. Mas às vezes é difícil observar a coloração no microscópio ou a própria formulação já contém corantes que interferem na observação.

O microscópio ótico é uma ferramenta muito útil para o estudo de emulsões
Foto: Photokanok / FreeDigitalPhotos.Net

No segundo caso, goteja-se um pouco da formulação em um béquer com água e observa-se o comportamento da gota. Se a gota se dispersa rapidamente, provavelmente a fase externa é aquosa e se misturou mais facilmente com a água do béquer. Se a gota mantém sua forma por mais tempo, provavelmente a fase externa é oleosa e criou-se uma tensão de superfície com a água do béquer. O problema com o teste da gota é que a viscosidade da formulação pode gerar falsos positivos, já que emulsões mais viscosas tendem a manter o formato de gota por mais tempo, independentemente da fase externa.

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Agora que você já sabe distinguir se uma emulsão é A/O ou O/A, convém ressaltar que formular uma emulsão do tipo A/O normalmente é mais desafiador! Isso porque a fase oleosa tende a ser menos densa que a água e costuma flutuar sobre ela. Portanto, aprisionar gotículas de água no seio de uma fase oleosa requer mais energia, o que reflete na necessidade de se utilizar estabilizantes adicionais, como espessantes e sais polarizantes, mas isto é um tema para outro texto…

Por Ivan Souza

Coordenador de Conteúdo. Farmacêutico Industrial pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). MBA em Gestão Empresarial (UEM). Doutor em Ciências pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP). Experiência em pesquisa e desenvolvimento de inovações no setor cosmético e farmacêutico.