Emulsões e seu consumo escandaloso de água

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Desde 2012, o Fórum Econômico Mundial tem apontado a crise hídrica como uns dos cinco principais riscos (em termos de impacto) ao qual estamos submetidos. No dia 11 de janeiro deste ano, eles tornaram público o relatório referente às perspectivas para o ano de 2017 e (acreditem!) as análises são bem profundas e abrangentes. Mais uma vez, a crise de água está entre os tópicos principais sobre os quais deveriam ser nossas preocupações atuais. O acesso a este relatório é livre e pode ser realizado através deste link.

Das aulas de ciências quando criança, nós aprendemos que é preciso haver água para que haja chuva e para que, então, ela volte para nós. A grosso modo, este é o ciclo da água, que tem como principal mecanismo a evaporação. Vale lembrar que este fenômeno é influenciado pela quantidade de vapor que já existe no ar, pela temperatura, pela pressão, pela superfície de contato, pela vazão de ar e também pelas forças intermoleculares da substância a ser evaporada (no caso, a água).

Após aplicar o produto sobre a pele, a água evapora para que possa ter efeito.
Foto: stockimages / FreeDigitalPhotos.net

Vamos transferir isso para o nosso dia a dia de trabalho? Emulsões são grande parte do universo com o qual trabalhamos. Claro que a fase oleosa e os tensoativos são fundamentais, mas o que são as emulsões se não majoritariamente água?

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Enquanto formuladores, estamos invariavelmente preocupados com os benefícios que nossas formulações devem trazer ao consumidor e essas características estão relacionadas aos ativos e fases oleosas que utilizamos. Eis então que a atenção com estes ingredientes se faz natural! O problema é que acabamos por simplificar em nossas cabeças as formulações nessas matérias-primas e não nos atentamos para o sistema como um todo. Buscamos por formas de criar novas formulações e acompanhar sua estabilidade sem nos darmos conta de que, ao aplicar o produto sobre a pele, a formulação já não será mais idêntica àquela confinada na embalagem original. Especialmente em localidades com baixa umidade relativa do ar e altas temperaturas, a evaporação de parte da água da formulação ocorrerá naturalmente.

Segundo estudos de Al-Bawad e Friberg publicados em 2006, em vinte minutos a formulação é capaz de perder 90% da sua quantidade total de água para o ambiente. Através de experiências com formulações com composições diferentes, eles conseguiram mostrar que esta perda de água acontece em maior ou menor quantidade. Entretanto, uma regra vale para toda formulação: após a aplicação, ela certamente não é a mesma que aquela da embalagem original.

O estudo desenvolvido pelos autores é especialmente importante no que diz respeito às diferenças encontradas na formulação da embalagem e após ser aplicada. Quais são estas diferenças então? De forma simplificada, ao evaporar parte da água:

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  • Um cristal líquido altamente viscoso, quase sólido, é formado dentro das gotas de água e seu tamanho aumenta durante os minutos seguintes a fim de substituir completamente a água.
  • Após alguns minutos, é formada uma solução de tensoativo dentro das partículas cristalinas líquidas.
  • Essa solução formada, por sua vez, substitui o material líquido cristalino e o estado final é uma emulsão de tensoativo e óleo dissolvidos um no outro.
Quanto de água precisa ter em um cosmético para ele agir sobre a pele?
Foto: imagerymajestic / FreeDigitalPhotos.net

Ainda de acordo com os pesquisadores, as formulações para pele devem apresentar aparência agradável enquanto formulação inicial e também após armazenamento, devem também oferecer sensorial agradável durante a aplicação e entregar os benefícios que prometem. Tendo em vista o que foi exposto até aqui, será que é possível garantir que após a aplicação teremos os mesmos benefícios proporcionados pela formulação original? Que a formulação não será irritante?  Que os processos de estabilidade estão sob controle?

É possível perceber que os tensoativos exercem papel bastante relevante nos efeitos das formulações sobre a pele a longo prazo. Muito mais que estrutura ou tamanho das partículas inclusive.

E agora? Como ficam nossas preocupações? Será que precisamos mesmo gastar tanto tempo e energia acompanhando possíveis indícios de instabilidade (como forma, carga e tamanho de partícula, pH, condutividade, etc)? E os estudos de permeação? São mesmo fidedignos? Estamos de fato analisando os benefícios e prejuízos dos sistemas que desenvolvemos tais quais eles se apresentarão à pele do consumidor?

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Nós não temos a resposta. Mas sua opinião seria muito bem vinda para nos ajudar a pensar!

Referências
World Economic Forum. Acesso em 05/02/2016.
AL-BAWAB, Abeer; FRIBERG, Stig E. Some pertinent factors in skin care emulsion. Advances in colloid and interface science, v. 123, p. 313-322, 2006. Acesso em 05/02/2016.

Por Gisely Spósito

Redatora. Farmacêutica-Bioquímica, Mestre em Ciências Farmacêuticas e Doutora em Ciências Farmacêuticas, especificamente em Medicamentos e Cosméticos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP). Tem experiência em Tecnologia de Cosméticos, do desenvolvimento à análise sensorial.

3 comentários

  1. Boa tarde, ótima reflexão! Eu acrescento a minha reflexão: Vale a pena todo esse esforço e desgaste da natureza, se apesar de todos os cuidados com a pele, envelheceremos inevitavelmente!?

    1. Boa tarde, Sandra! Ficamos muito felizes que o texto tenha te estimulado a pensar sobre o assunto. Muito obrigada por dividir sua reflexão conosco! Afinal são muitos os aspectos que devemos considerar antes de desenvolver uma formulação, não é mesmo?! É importante analisar que a hidratação é uma questão relevante para a saúde do nosso corpo, já que fortalece nossas barreiras contra agentes causadores de doenças, poluentes e tantos outros agressores ao nosso sistema. Postergar o envelhecimento é um benéfico a mais!

  2. Olá Gisely! Não ficou claro pra mim como a evaporação da água afeta os estudos de permeação! Você poderia explicar melhor seu raciocínio? Pois, a evaporação também acontece durante esses estudos não é?

    Quanto aos estudos de estabilidade, eu acho que continuam sendo importantes para garantir que a formulação seja aceitável, ou pelo menos similar, se eu comprá-la 3 meses ou 9 meses após a data de fabricação. Ainda que aquilo que é aplicado sobre a pele mude totalmente de forma e composição!

    Um abraço!

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