Em texto anterior sobre acne, o Cosmética em Foco evidenciou que a grande maioria das pessoas, sejam elas homens ou mulheres, apresenta casos de acne em algum estágio da vida. No mesmo texto, também foi abordada a falta de atenção que se dá aos efeitos que a acne provoca sobre o aspecto social de quem apresenta esta condição. No entanto, não é raro que a pessoa com pele acnéica procure por orientações médicas, tratamentos e procedimentos que amenizem e/ou coloquem fim aos comedões característicos da acne. Os tratamentos convencionais oferecem efeitos colaterais desagradáveis, tais como ressecamento grave de mucosas e da pele, o aumento dos níveis de triglicérides e colesterol, efeitos adversos relacionados aos antibióticos, teratogênese (no caso do uso de isotretinoína), além do aumento da resistência bacteriana aos antibióticos usados, bem como a intolerância ou resistência de alguns pacientes em relação aos retinóides orais utilizados. Assim sendo, uma alternativa recente oferecida por centros de estética e fonte de curiosidade de pesquisadores é a luz azul. Acredita-se que ela, por matar ou alterar o funcionamento da Propionibacterium acnes, reduza a severidade da acne, especialmente a inflamatória.
As bactérias responsáveis pela acne, conhecidas como P. acnes, produzem porfirinas endógenas, as quais tem capacidade de absorver luz e desse modo promover uma reação fotodinâmica que induz à destruição bacteriana. A luz azul, que possui faixa de comprimento de onda de 407 a 420 nm, também pode ser capaz de estimular essas porfirinas e produzir a mesma reação fotodinâmica: modifica o influxo de prótons através da membrana da bactéria (produção de oxigênio singleto) e induz o dano celular por alterações de pH intracelular. A penetração dessa luz é de aproximadamente 1 mm na pele e, portanto, atinge a P. acnes que se encontra na sua superfície e no interior dos ductos. Essa reação acontece apenas nas bactérias e, assim, não tem efeito direto sobre o tecido circundante.
Em estudos de Shnitkind e colaboradores, observou-se que a luz azul apresenta efeito antiinflamatório sobre os queratinócitos através da diminuição da produção de interleucinas e moléculas de adesão intercelular. Os efeitos colaterais apontados são leves e incluem mudanças temporárias em pigmentação, descamação das áreas tratadas e ressecamento.
Em estudo realizado por Arruda e colaboradores, 60 participantes foram divididos em dois grupos: 1) Luz azul: participantes foram submetidos a oito sessões de exposição à luz azul por 15 minutos/sessão, duas vezes por semana, com intervalo mínimo de 48 horas, durante quatro semanas e 2) Peróxido de benzoíla a 5%: participantes aplicaram a medicação diariamente, duas vezes ao dia, por quatro semanas. Neste caso, observou-se que 93,3% apresentaram algum sintoma relacionado ao uso do peróxido de benzoíla, tais como algum grau de eritema, descamação, ressecamento ou queimadura. Para alguns pacientes houve a necessidade de diminuir a frequência de uso do produto para uma vez ao dia, o que levou a melhora dos sintomas. Já entre os pacientes submetidos à tratamento com luz azul, apenas 23,3% se queixaram de algum efeito indesejado, caracterizado por descamação e/ou ressecamento de intensidade leve.
Tzung, em um estudo com 31 pacientes, relatou melhora da acne grau II em 52% quando tratada com luz azul (em relação ao outro lado da face, não tratado). Shalita, em estudo com 35 pacientes, demonstrou diminuição média de 60% da quantidade de lesões inflamatórias e melhora do quadro clínico em 80% dos pacientes com aplicações de luz azul por um mês. Papageorgiou comparou, em 107 pacientes, quatro grupos de tratamento de acne: exposição à luz azul isolada, exposição à combinação das luzes vermelha e azul, exposição à luz branca e tratamento com peróxido de benzoíla a 5%. Em tratamento concomitante com luzes azul e vermelha, notou-se melhora em 76% das lesões inflamatórias e 58% dos comedões, o que foi significativamente superior a melhora apresentada pelos grupos tratados com luz azul ou peróxido de benzoíla isolados. Os resultados dos grupos tratados com luz azul isoladamente e peróxido de benzoíla foram semelhantes entre si, sendo a melhora de 45% para os comedões e 63% para as lesões inflamatórias. A melhora proporcionada por ambas as luzes (azul e vermelha) também foi observada por Goldberg e colaboradores.
O grupo de pesquisa brasileiro de Arruda e colaboradores concluiu que o tratamento com luz azul foi um método tão eficaz quanto com peróxido de benzoíla na redução do número de lesões de acne graus II e III e com menos efeitos adversos quando comparado ao peróxido de benzoíla isoladamente. Esse fato confere à luz azul uma opção real de tratamento, principalmente para os pacientes com contraindicação aos outros métodos de tratamento. Entretanto, o grupo notou menor adesão ao tratamento com luz azul quando comparada ao peróxido de benzoíla. Esse fato foi interpretado como sendo consequência da necessidade do paciente de se deslocar ao centro de tratamento para realizar as aplicações.
A fototerapia com luz azul foi aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) para o tratamento da acne e está sendo usada no tratamento de acne inflamatória, que não respondeu a outras terapias contra acne. Geralmente, o tratamento consiste em oito sessões realizadas em um período de 4 semanas, sendo a duração de cada sessão de aproximadamente 15 minutos. Os efeitos colaterais relatados até o momento têm sido leves e incluem alterações pigmentares temporárias, ressecamento e raramente algum inchaço das áreas tratadas. Muitos pacientes respondem muito bem à terapia com luz azul.
Com base nos dados existentes sobre a colonização das lesões inflamatórias e não inflamatórias por P. acnes, a resposta à fototerapia é claramente paradoxal. Os resultados demonstram que as lesões inflamatórias mostram maior melhora, ao mesmo tempo em que existem evidências de que a colonização por P. acnes neste tipo de acne é reduzia quando em comparação com as lesões não-inflamatórias (altamente colonizadas). Este resultado leva a pensar que a luz azul pode, de fato, estar melhorando as lesões da acne por mecanismos ainda desconhecidos, além do mecanismo de ação aceito (sensibilização endógena da porfirina).
Futsaether e colaboradores acrescentaram novidades às hipóteses de como a luz azul pode estar afetando P. acnes. Eles relataram uma diminuição no pH intracelular em P. acnes após a exposição à luz azul, que provou ser letal. Eles postularam que isso pode ser atribuído a um aumento no influxo de prótons, causando mudanças letais nessas bactérias.
Uma outra condição que pode ser beneficiada pela luz azul é a psoríase (doença de pele inflamatória, caracterizada pelo aumento na produção de células da pele e consequente descamação excessiva das células mortas, causando manchas e prurido segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia), uma vez que eficácia ineficiente e toxicidade cumulativa de terapias tópicas, fototerapia e tratamentos sistêmicos representam sérias limitações para as opções de tratamento atuais. Nos últimos anos, a fototerapia com luz visível na doença inflamatória da pele vem ganhando interesse na prática dermatológica como alternativa segura à fototerapia ultravioleta (UV), cancerígena.
Kleinpenning e colaboradores realizaram pesquisas sobre psoríase comparando os tratamentos com ácido salicílico e luzes vermelha e azul. O eritema apresentado pelos participantes (pessoas que apresentam psoríase) não se alterou durante as 4 semanas de estudo em monoterapia com pomada de ácido salicílico, enquanto as luzes azul e vermelha induziram melhoria significativa do eritema (43% e 36% vs. 10%). Eles concluíram que a luz visível, especialmente a luz azul, melhora o eritema. No entanto, quase todas as áreas tratadas com luz azul mostraram hiperpigmentação circundante.
Assim, a luz azul apresenta-se como uma opção terapêutica tanto para pacientes com acne quanto para pacientes com psoríase, dependendo do perfil e do quadro geral de cada paciente.
Foto: divulgação.
E uma vez que ir ao centro de estética é fator crítico para a adesão ao tratamento com luz azul, conforme citado acima, algumas empresas decidiram levar a luz azul diretamente à casa do consumidor. A marca Tanda pertence à Iluminage Beauty Inc, empresa focada em soluções inovadoras destinadas a cuidados pessoais e tratamento de beleza no conforto do lar. Para tratar a acne, a marca traz o Tanda Clear e o Tanda Zap. O primeiro foi desenvolvido para tratar áreas maiores, já o segundo é ideal para aquela acne mais pontual. Segundo o site da marca, todos os seus produtos são dermatologicamente testados e aprovados pela ANVISA e pelo FDA.
Outra empresa que também investiu na luz azul foi a Johnson&Johnson, através da marca Neutrogena. Neste caso, é oferecida ao consumidor uma máscara capaz de abranger o rosto todo.
Uma vez que estudos científicos comprovam a eficácia da luz azul para melhora de quadros de acnes tipos II e III e que a ANVISA e o FDA aprovaram o uso desta tecnologia para tal fim, cabe a você decidir se vale ou não a pena testar. E mais: se vale a pena testar no conforto da sua sala.
Observação: a aprovação dos dispositivos refere-se apenas à casos de acne!
Foto: divulgação.
Referência Bibliográfica:
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