Houve um tempo em que uma pessoa deveria ser reconhecida por seu cheiro e os perfumes eram os grandes responsáveis por essa aspiração. Usar um perfume exclusivo era privilégio de poucos e de pessoas abastadas. Com o crescimento dos ateliês perfumistas, teve início a perfumaria moderna, que pouco a pouco banalizou o acesso aos perfumes e transformou essa arte milenar em um mercado milionário. Mas qual a história do perfume? Qual o caminho foi percorrido dos Egípcios até o frasco que você borrifa hora no seu corpo todos dias?
No final do século XX, especialmente a partir dos anos 1980, os perfumes tenderam a ser incorporados na rotina diária como acessório de moda para proporcionar sensações de limpeza, refrescância, conforto e de estar “pronto para o dia”. Paralelamente, surgiu um campo de estudo hoje conhecido por psicologia dos cosméticos e perfumes, que busca empiricamente a compreensão de motivações ou razões para o uso ou aquisição de um produto, e tenta, quando possível, relacionar fragrâncias com diferentes situações e estilos de vida; ou mesmo efeitos terapêuticos de perfumes como é o caso da aromaterapia.
Foto: violeta74 / FreeDigitalPhotos.net
Intuitivamente, poderíamos supor que o perfume pode ser edificante de humor; fazer uma pessoa se sentir cuidada, rica, atraente, etc.; melhorar a atratividade para outras pessoas; e propiciar percepções sociais mais favoráveis. Até certo ponto, alguns desses aspectos já foram demonstrados, mas, de modo geral, ainda há necessidade de mais pesquisa e dados sobre a fragrância.
A função social primária de produtos desodorizantes e perfumados é mascarar odores corporais desagradáveis e criar uma impressão atraente e asseada do indivíduo. Mais ainda, apesar de existirem evidências científicas da relação entre perfume e comportamento, acreditamos que os indivíduos usem perfume porque gostam e não por saberem de seus efeitos sobre si e os outros. Entendemos o uso de perfumes como um costume, uma herança cultural que encontramos descrita nos relatos acerca do uso de perfumes ao longo da história da humanidade.
Os primeiros passos da história da perfumaria
Os antigos Egípcios queimavam resinas perfumadas em cerimônias religiosas. Eles acreditavam haver um caminho que conectava o céu à terra, e dessa prática advém o nome latim para o perfume: per fumum, por meio da fumaça. Seus mortos eram envolvidos em bandagens e embalsamados em óleos aromáticos como pinho, especiarias, mirra e cedro, preparando-os para a outra vida. Assim, os perfumes adentraram a Europa pelo Oriente Médio como um bem precioso. Seu apogeu ocorreu durante o reinado de Cleópatra, uma das mais ávidas adoradoras de perfumes, que usava tanto perfume nas velas de seus barcos que sua aproximação podia ser detectada a milhas de distância.
Os Gregos e Romanos também foram grandes adeptos do uso de perfumes. Os poetas gregos declamavam os usos de fragrâncias e suas propriedades curativas, que atualmente chamamos de aromaterapia. Os Romanos usavam perfume em tudo: suas casas, suas esposas, seus escravos e seus animais.
Atribui-se ao filósofo persa Avicena o aperfeiçoamento do processo de extração de óleos essenciais por destilação durante o século XI, bem como a descoberta do álcool. Um subproduto desse processo foram as águas perfumadas.
Na Idade Média, os óleos foram comumente usados para esconder odores desagradáveis de corpos não lavados e como forma de proteção e combate de epidemias e infecções. No século XVII, o civete – produto da secreção de um gato selvagem comercializado na forma de pasta – poderia ser facilmente adquirido na Inglaterra. No século seguinte, ele se tornaria essencial; um must have para qualquer cavalheiro elegante europeu da época. O intrigante, hoje em dia, é pensar que o civete, cuja característica inerente é o odor fecal, fosse o perfume de escolha de cavalheiros distintos.
Foto: Praisaeng / FreeDigitalPhotos.net
Ao longo da história, o perfume deleitou-se no status de um luxo caro usado apenas em ocasiões especiais. A rainha Elizabeth I, por exemplo, ordenou que barris de perfume fossem queimados quando recebia o Duque d’Anjou, um exemplo do uso do perfume para refletir dominância social. Nos séculos XVII e XVIII, o perfume foi usado ainda com mais abundância que nos dias atuais, inclusive pelos homens. Era mais popular usar perfume que se lavar – não apenas pessoas, mas também roupas, animais, móveis e até dinheiro.
A perfumaria moderna
Com o avanço científico durante o século XIX os óleos naturais foram substituídos por substâncias químicas isoladas. Paralelamente, certas descobertas como a extração por solventes produziram óleos mais puros e estáveis, bem como facilitaram o advento da perfumaria moderna naquele século, florescendo no século XX e frutificando no século XXI. Posteriormente, também aconteceu a substituição de ingredientes naturais por seus similares sintéticos. À medida que os cientistas desvendaram a estrutura química de óleos perfumados e seus constituintes, combinando-os com outras substâncias sintetizadas desconhecidas na natureza, um novo universo de experimentação e componentes irresistíveis foi descoberto.
No entanto, o século XX viu a escassez dos recursos econômicos no período das guerras impedirem a aquisição de itens de luxo como os perfumes. E para os homens, muitos dos quais estavam nas forças armadas, qualquer traço de produto perfumado, mesmo que fosse seu sabonete, poderia ser considerado totalmente inaceitável socialmente; uma imagem afeminada, pois a moda era preocupação para mulheres.
Ainda nos anos 1970 e início da década seguinte era inaceitável ao homem conservador, vestindo seu costume, demonstrar muito interesse em produtos perfumados. A imagem essencialmente feminina que no século XX esteve muito associada aos cosméticos e fragrâncias, provavelmente foi o fator responsável pela lenta mudança no mercado masculino. Eles começaram pelos produtos pós‑barba, colônias, talcos perfumados, sabonetes e desodorantes, e com as mudanças sociais no papel do homem e sua masculinidade teve início no fim da década de 1980 o grande sucesso nos perfumes masculinos. Tudo isso seguido de maior consciência e aumento na demanda de produtos de higiene pessoal e cosméticos masculinos com perfumes próprios que representassem o estilo de vida contemporâneo.
Assim, acompanhando a corrente do fim do século XX de que ter um perfume de luxo com a marca do momento se tornou símbolo de status, pouco a pouco este produto se tornou um item cotidiano mais disponível. Durante os anos 1990, aumentou a ênfase em produtos masculinos, bem como a oferta de perfumes que poderiam ser usados por ambos os sexos. Também surgiram os pares de fragrâncias com perfumes da mesma linha dedicados a homens e mulheres.
O consumidor pode, então, decidir o que sentir ou projetar em ocasiões específicas e escolher a fragrância mais adequada. Isso porque as moléculas de odor atuam sorrateiramente. Ao adentrarem a cavidade nasal elas entram em contato com uma membrana mucosa localizada na parte superior das vias respiratórias, onde estão localizados os receptores de odores. Esses receptores são proteínas exclusivas que reconhecem especificamente famílias de odores em um fenômeno conhecido como modelo chave-fechadura, em que essas moléculas ativam os receptores, enviando mensagens químicas ao cérebro por meio do nervo olfatório. Em seguida, a mensagem química entra no sistema límbico onde ocorre a associação cognitiva positiva ou negativa ao odor. Ao entrar em contato com o mesmo odor novamente, inconscientemente podemos retomar a memória daquele momento em que tivemos o primeiro contato com aquele odor. E assim se formam associações entre odores, memórias e emoções. A moléculas de odores podem ser consideradas gatunas, pois invadem nossas mentes, mexem com nossas emoções sem que tenhamos controle ou intenção.
Assim, é provável que exista outro fator envolvido que está além das mensagens químicas ou do universo da psicologia social, pois se as associações emotivas dos odores são individuais, qual seria o principal fator responsável para a frequente preferência dos homens pelos perfumes amadeirados? A resposta pode repousar no âmbito cultural, mas ainda outras pesquisas são necessárias para se esclarecer essa discussão.
No fim dos anos 1980, por exemplo, emergiu a ideia de tentar encaixar diferentes fragrâncias em estilos de vida, atitudes e valores sociais. O objetivo era o de harmonizar o perfume com a personalidade do usuário, seu humor, autoimagem, estilo de vida e situações cotidianas.
Foto: alex_ugalek / FreeDigitalPhotos.net
O mercado atual de perfumaria fina dispõe de uma infinidade de produtos para uso frequente, com diferentes opções de fragrância e para uso em diferentes ocasiões do dia a dia. A apropriação ainda frequente de conceitos de “masculinidade” e “feminilidade” ao se anunciar perfumes. As necessidades e desejos de um indivíduo variam. Então os perfumes deveriam ser direcionados para se corresponderem ao que os consumidores querem projetar, independente de sua personalidade básica – ou gênero.
O perfume necessitaria apenas identificar claramente o estado de espírito conveniente, como tranquilo, extrovertido, romântico ou divertido, por exemplo. Então o produto correto poderia ser escolhido com base no que o indivíduo aspira sentir ou comunicar ao mundo. Aplicados aos perfumes masculinos, as fragrâncias poderiam representar o estado de espírito do “machão”, do homem saudável, ativo ou esportivo. Ou ainda a lembrança da tarde no parque, o domingo em família, o primeiro beijo, o dia do casamento, enfim, qualquer outro sentimento ou estilo de vida que não necessariamente a mulher femme fatale e o homem garanhão conquistador máquina do sexo.