Mecanismos de hidratação da pele

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A pele, o maior órgão do corpo humano, ocupa uma área média de 2m2, sendo responsável pela proteção do organismo contra a penetração de microrganismos e substâncias químicas do ambiente externo. A pele também é responsável por evitar a perda excessiva de água – que levaria o ser humano à desidratação. Neste artigo abordamos os mecanismos de hidratação cutânea, que são as principais estratégias para se manter a hidratação da pele.

Ter uma pele saudável começa por ter uma pele hidratada.

Durante a vida, qualquer indivíduo pode apresentar ressecamento da pele, cientificamente conhecido como xerose. Um fenômeno naturalmente revertido, mas que dependendo do fator causador pode persistir e dificultar a restauração da homeostasia, o equilíbrio natural do organismo.

Alguns fatores que podem causar o ressecamento da pele são: fatores genéticos, fatores ambientais (umidade, radiação ultravioleta), fatores comportamentais (fumo e bebida alcoólica), estresse, idade, sexo, solventes orgânicos, detergentes, doenças (psoríase, ictiose, dermatite) e medicamentos (isotretinoína).

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Esse texto trata da hidratação da pele e os mecanismos para manter a hidratação da pele. Beber água não é a única alternativa, aliás, se você acha que somente água é suficiente para manter seu corpo hidratado, leia esse texto sobre nutrientes que hidratam a pele.

A pele normal versus pele ressecada

Numa pele normal as células da camada córnea são liberadas para o ambiente de forma individual e imperceptível. Já na pele ressecada essa esfoliação ocorre na forma de blocos de células visíveis. A falta de água faz com que os filamentos que unem as células mais superficiais não sejam dissolvidos, gerando o espessamento da camada córnea e aspecto de “escamas de peixe” e até mesmo rachaduras.

(A) Macrografia de luz visível da pele seca na porção inferior da perna mostrando a descamação (aproximação 10x). (B)Micrografia eletrônica de varredura da fita de carbono aplicada à pele seca da porção inferior da perna, mostrando o desarranjo e o empacotamento de corneócitos (aproximação de 500x).
Fonte: Rawling et al., 2005.

Uma pele saudável depende do equilíbrio da renovação celular cutânea e do seu grau de hidratação (leia mais sobre o fator natural de hidratação). O conteúdo de água na pele depende de quatro processos principais: a ligação da água no estrato córneo, as propriedades da barreira do estrato córneo, o gradiente de água na pele e a eficiência no transporte epidermal. Produtos que visam hidratar o estrato córneo geralmente procuram agir nos três primeiros processos. Veremos melhor esses mecanismos mais adiante.

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A importância dos lipídeos e proteínas na hidratação da pele

Antes de abordarmos a hidratação cutânea propriamente dita, é importante antes falarmos sobre o sistema de barreira da pele, que é o mecanismo de proteção à desidratação. Os constituintes deste sistema de barreira são os corneócitos, a matriz lipídica intercelular e os corneodesmossomas.

Os corneócitos são células (queratinócitos) da epiderme que se diferenciam formando feixes empacotados de queratina contidos num envelope proteico.

A manutenção da quantidade de água na pele se deve a presença de lipídeos secretados pelas glândulas sebáceas, que quando distribuídos sobre a camada córnea formam um filme lipofílico (rico em ácidos graxos, triglicerídeos, esqualeno e ceras) que dificulta a evaporação da água. É o que garante a propriedade de barreira da pele, que impede a perda de água do interior e a entrada de qualquer partícula exógena.

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Estes lipídeos respondem por 11% da composição da camada córnea e são formados principalmente por ceramidas (40%), ácidos graxos (20%) e colesterol (25%). Também estão presentes sulfato de colesterol, fosfolipídeos e glicoceramidas.

Os lipídeos organizam-se na forma de lamelas que unem os corneócitos. As lamelas apresentam-se como duas camadas espessas de lipídeos, formando uma estrutura cristalina, separadas por uma camada central de lipídeos estreita e fluida.

Representação esquemática da organização dos lipídeos intercorneocitários.
Fonte: Adaptado de RIBEIRO, 2010; p.79

Como a espessura da camada córnea pode interferir no equilíbrio e na hidratação da pele, os corneodesmossomas são fundamentais para manter essa espessura, pois mantém os corneócitos coesos.

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Corneodesmossomas são complexos de proteína nos envelopes dos corneócitos. Eles precisam estar íntegros para manter a hidratação cutânea, mas durante o processo de renovação celular suas ligações peptídicas são quebradas pelas enzimas proteolíticas. A atividade destas enzimas depende (adivinha?!) da presença de água na camada córnea. Quanto maior for o espessamento da camada córnea, menor será a quantidade de água e, portanto, menor a atividade enzimática. Esse processo gera um círculo vicioso que fará aumentar cada vez a espessura da camada córnea, diminuirá cada vez mais a ação das enzimas proteolíticas, maior espessura da camada córnea, menor atividade das enzimas proteolíticas, resultando em uma pele muito espessa e com rachaduras.

Manter a água na pele é a melhor forma de hidratação da pele

A quantidade de água na camada córnea corresponde a 20 a 30% de todos os constituintes dessa camada. Em uma pele em situação normal de hidratação, 5% são de água fortemente ligada, 40% são de água fracamente ligada e 55% são de água livre.

Para aumentar a hidratação da camada córnea, junta-se aos lipídeos intercorneocitários o fator natural de hidratação, ou natural moisturizing factor (NMF). O NMF é um complexo de agentes lipossolúveis e agentes higroscópicos naturais que corresponde a 30% deste estrato epidérmico. Ele é formado pela degradação das proteínas intracelulares localizadas nos grânulos de querato-hialina dos queratinócitos da camada granular, associados a outros componentes umectantes da pele, como aminoácidos (40%); ácido pirrolidocarboxílico (12%); lactato (12%); ureia (7%); cloretos (6%); sódio (5%); potássio (4%); ácido lático, ácido urocânico, glucosamina e creatinina (1,5%); fosfato (0,5%). A função principal do NMF é reter a água fracamente ligada que está disponível na camada córnea por meio da atração osmótica das substâncias presentes.

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A reposição de água endógena é facilitada pelas aquaporinas, proteínas transmembranares que formam canais para o transporte de água e pequenas moléculas solúveis como o glicerol, por exemplo. Há diversas formas de aquaporinas, mas a aquaporina 3 (AQP3 ou aquagliceroproteína) está presente nos queratinócitos basais e suprabasais da epiderme, mas ausente nas células da camada córnea na superfície cutânea. Ou seja, as aquaporinas são muito funcionais nas camadas intermediárias e mais profundas da pele enquanto à camada córnea cabe a nobre função de impedir que a pele desidrate.

Mecanismos da hidratação cutânea

Os produtos cosméticos que visam reverter o processo de desidratação cutânea podem agir sobre os mecanismos de oclusão, umectação, hidratação ativa (ou umectação ativa), recomposição de lamelas da camada córnea e indução da formação de aquaporinas 3.

Oclusão

Cosméticos que agem por oclusão formam um filme graxo superficial que impede a perda de água, a chamada perda transepidermal de água. A água fica retida entre o filme lipofílico (cosmético) e a camada córnea. Quanto mais semelhança houver entre a substância lipofílica e os componentes da secreção sebácea, melhor será o resultado. Dentre os ativos que atuam por oclusão estão os óleos vegetais, ricos em triglicerídeos de ácidos graxos insaturados; as manteigas vegetais, ricas em triglicerídeos, porém, com maior teor de ácido graxo insaturado; e o óleo mineral (paraffinum liquidum) e petrolato (petrolatum).

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Perda Transepidermal de Água
A perda transepidermal de água (transepidermal water loss – TEWL) é a quantidade de água que evapora passivamente através da pele para o ambiente externo devido ao gradiente de pressão do vapor de água em ambos os lados da barreira da pele. A mensuração da TEWL é usada para caracterizar a função de barreira da pele.
Representação esquemática da oclusão sobre a camada córnea.
Fonte: Adaptado de RIBEIRO, 2010; p.83.

A oclusão pode ter consequências significativas no aumento da permeabilidade da pele, desenvolvimento de irritação e de crescimento microbiano. Experimentos mostraram que a oclusão extrema da pele com um filme plástico impermeável não induziu a dermatite após uma semana de observação, em duas semanas de oclusão foi moderadamente nocivo; em três semanas de oclusão causou dermatite induzida por hidratação.

Umectação

A função de um hidratante por umectação, ou umectante, é reter água, seja ela proveniente da formulação, da atmosfera ou da água perdida da camada córnea.

Representação esquemática do mecanismo de um hidratante umectante. Fonte: Adaptado de RIBEIRO, 2010; p.86.

Umectantes presentes em formulações do tipo O/A possuem um efeito mais imediato enquanto formulações do tipo A/O possuem um efeito mais prolongado. Alguns agentes que possuem a propriedade de umectação são os hidrolisados de proteína animal ou vegetal, como a queratina; os polissacarídeos, como o ácido hialurônico e os derivados de algas ricos em mucilagem; além de vários glicóis, como a glicerina e o sorbitol, por terem a capacidade de formar pontes de hidrogênio.

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Com exceção dos glicóis, que podem ou não permear a camada córnea, os demais umectantes, devido ao seu alto peso molecular, permanecem apenas na superfície da pele, onde formam um filme hidrofílico.

Hidratação ativa ou umectação ativa

Um ativo de hidratação ativa permeia a camada córnea e liga-se às moléculas de água desta região, diminuindo a perda transepidermal em toda a sua extensão.

Representação esquemática da ação de uma substância de hidratação ativa.
Fonte: Adaptado de RIBEIRO, 2010; p.83.

Reparação da barreira

Promover a reparação da barreira intercorneócitos é o intuito de alguns ativos naturalmente presentes nas lamelas da camada córnea, que em formulações para pele seca restabelecem as propriedades biomecânicas, resultando em re-hidratação cutânea.

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Esses ativos podem apresentar componentes lamelares (lipídeos naturais) individuais, como a ceramida, ácidos graxos livres e colesterol, ou apresentar uma associação equilibrada destes lipídeos. Um outro ingrediente de grande ação de reparação da barreira é a lanolina – uma mistura natural e complexa de ésteres, álcoois e ácidos graxos muito similares aos lipídeos da pele humana – que forma estruturas multilamelares na camada córnea.

A reconstituição da barreira, quando utilizado um único lipídeo ao invés de uma composição complexa, pode resultar na formação de lamelas intercorneocitárias defeituosas. Por isso, a mistura dos lipídeos em proporções adequadas seria mais eficaz para a reparação da estrutura da barreira e redução da perda de água transepidermal.

 

Referências

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COSTA, C. K.; OLIVEIRA, A. B.; ZANIN, S. M. W.; MIGUEL, M. D. Um estudo da pele seca: produtos emulsionados para seu tratamento e busca de sensorial agradável para uso contínuo. Visão Acadêmica, Curitiba, v.5, n.2, 2004.

FLUHR, Joachim; HOLLERAN, Walter M.; BERARDESCA, Enzo. Clinical Effects of Emollients on Skin In: Leyden, J.J., Rawlings, A. V. Skin Moisturization. Marcel Dekker Inc., p.223-244, 2002.

LEONARDI, Gislaine Ricci. Cosmetologia aplicada. São Paulo: Medfarma, 2004.

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MICHNIAK-KOHN, Bozena B.; WERTZ, Philip W.; MEIDAN, Victor; AL-KHALILI, Mohammad. Skin: physiology and penetration pathways. In: Delivery system handbook for personal care and cosmetic products – technology, applications and formulations. Willian Andrew, Inc., Norwich, 2005.

RAWLINGS, A. V., MATTS, P. J. Stratum corneum at the molecular level: an update in relation to dry skin cycle. J. Invest. Dermatol., v.124. p.1099-1110, 2005.

RIBEIRO, Cláudio. Cosmetologia aplicada a dermoestética. 2 ed. São Paulo: Pharmabooks, 2010. Cap.2, p.17-42.

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ROBERTS, Michael S.; BOUWSTRA, Joke; PIROT, Fabrice; FALSON, Françoise. Skin hydration – a key determinant in topical absortion. In: Dermatologic, cosmeceutic and cosmetic development – therapeutic and novel. New York: Informa Healthcare USA, 2008.

Por Gustavo Boaventura

Criador e Diretor de Conteúdo. Farmacêutico Industrial pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista em Pesquisa & Desenvolvimento de Produtos Cosméticos. Mestre em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com foco no consumo de cosméticos masculinos. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Experiência em Pesquisa & Desenvolvimento de produtos capilares. É o idealizador e criador do Cosmética em Foco e escreve desde 2007.

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