Modificadores de reologia: gomas e espessantes

publicado

O que fazer quando a formulação que você acabou de desenvolver fica com um sensorial pegajoso, pesado, desagradável? Ou quando a fórmula não é estável o suficiente e começa a separar fases? O formulador ou a formuladora de produtos cosméticos frequentemente recorre a gomas e espessantes para modificar, ou melhorar, as propriedades reológicas de uma formulação. A reologia diz respeito ao movimento dos fluidos em geral, e no caso dos cosméticos, está intimamente relacionada com a textura e a agradabilidade de um creme, gel, loção e muitas outras formas cosméticas. A adição de gomas e espessantes tem impacto direto sobre a viscosidade, uma das propriedades reológicas dos líquidos e semi-sólidos, que por sua vez está relacionada com a espalhabilidade, a pegajosidade e a textura de um produto aplicado sobre a pele, bem como com sua estabilidade ao longo do tempo.

Gomas e espessantes modificam a reologia

A intensidade do efeito da adição de gomas e espessantes depende do tipo de ingrediente com que se está trabalhando. Geralmente, gomas e espessantes são substâncias de elevado peso molecular, com cadeias poliméricas. Ao dispersar essas substâncias em água ou outro solvente, os formuladores promovem uma organização no sistema (isto é, na fórmula). Essas moléculas grandes vão competir por espaço físico e procurarão se distribuir no meio disponível, de forma a acomodar cada uma de suas semelhantes (bem como, os demais ingredientes da fórmula). Vale lembrar que embora ligeiramente mais organizadas, as moléculas ainda podem se movimentar (movimento Browniano!).

Exemplo de distribuição espacial das moléculas numa fórmula.
Foto: Reprodução.

De um modo bastante simplificado, duas coisas podem acontecer: 1) ou essas moléculas têm afinidade entre si (interação de van der Waals, pontes de hidrogênio etc. – veja mais aqui!) e vão interagir parcialmente, utilizando cada uma de suas cadeias para formar uma rede; ou 2) essas moléculas vão repelir umas às outras, devido ao efeito de cargas positivas ou negativas (eletrostática), e essa repulsão se ocupa de mantê-las estruturalmente organizadas e bem distribuídas dentro do espaço disponível.

Anúncio

Felizmente, os formuladores dispõem de uma considerável variedade de ingredientes que podem ser utilizados para modificar reologicamente um produto. E o mercado frequentemente surge com novidades nesta área. Quando o solvente é um óleo ou outro líquido apolar, a lista de espessantes é mais restrita, porém inclui o polietilenoglicol e seus diversos derivados (PEGs); a tribeenina (INCI: Tribehenin); alguns silicones; algumas ceras e manteigas; alguns ácidos graxos e o dióxido de silício coloidal (sílica fundida), entre outros.

Já quando o solvente é a água, alguns exemplos consagrados em tecnologia de cosméticos são a polivinilpirrolidona (PVP, INCI: Polyvinylpyrrolidone); o álcool polivinílico (PVA, INCI: Polyvinyl Alcohol); a carboximetilcelulose sódica (Cellulose Gum); a hidroxietilcelulose (Hydroxyethyl Cellulose); a hidroxipropilmetilcelulose (Hydroxypropyl Methylcellulose) e outros derivados da celulose, bem como derivados do carbômero e do ácido acrílico. Alguns exemplos de gomas encontradas na natureza são a carragenana (Carrageenan Gum); a goma guar (Guar Gum); a goma arábica (Acacia Gum), a pectina (Pectin) e alguns alginatos. Uma goma advinda da biotecnologia é a popular goma xantana (Xanthan Gum). Há ainda os espessantes de origem mineral, como a bentonita (Bentonite), a hectorita (Hectorite) e os silicatos de alumínio e magnésio. Enfim, todos esses compostos e seus derivados são exemplos de ingredientes que podem alterar a viscosidade de um líquido em maior ou menor grau, e cabe aos formuladores determinar quais são os mais interessantes para o seu objetivo.

Potes cremes e geis.
Foto: akeeris/FreeDigitalPhotos.net

A química das gomas e espessantes

A adição de grupos polares (COOH, OH, NH3 etc.) ou apolares (alquilas) à uma goma natural ou sintética pode alterar significativamente as suas propriedades, como é o caso dos derivados de celulose, pois os géis de carboximetilcelulose sódica e de hidroxipropilmetilcelulose apresentam viscosidade e sensorial bastante diferenciados. O melhor meio de perceber essas diferenças é a prática… os formuladores precisam explorar todo o arsenal de ingredientes à sua disposição.

Anúncio

Além disso, embora alguns desses materiais aumentem a viscosidade da formulação imediatamente, outros requerem um ativador para gelificar em todo o seu potencial. O famoso Carbomer, por exemplo, trata-se de um polímero em que se adicionou grupos polares (carboxilas), que conforme o pH podem se encontrar no estado associado (COOH) ou dissociado (COO-, isto é, com carga negativa). Quando na forma de pó, a maior parte das carboxilas está neutralizada (COOH) e a molécula forma um emaranhado compacto. Ao hidratar o polímero, parte das carboxilas ainda se encontrará no estado associado (COOH), mas o número de cargas negativas aumenta (COO-), fazendo a molécula se desemaranhar e se estender, aumentando ligeiramente a viscosidade. Com a adição de uma base, mais carboxilas se dissociam, aumentando a repulsão entre as moléculas de Carbomer, que são obrigadas a se organizarem ainda mais, resultando na formação do gel.

Enfim, os formuladores precisam conhecer a química do polímero com o qual estão trabalhando, pois alguns são ativados de modo diferente, como é o caso da pectina e do alginato de sódio, que se ativam na presença de íons divalentes (por ex.: Ca+2).

Esquema de neutralização do Carbomer.
Foto: divulgação.

Formulando com gomas e espessantes

Um último tópico que merece atenção em relação às gomas e espessantes são os métodos de dispersão. Basicamente, há quatro métodos utilizados pelos formuladores que em geral funcionam para todos os ingredientes, embora alguns sejam mais apropriados que outros, conforme a molécula e o solvente:

Anúncio

1º) dispersão estacionária, em que o espessante é imerso no solvente e mantido em repouso até hidratação/dispersão completa (em geral, 12-24h). Apesar do longo tempo de espera, pode ser bastante econômico em pequenas produções.

2º) dispersão com agitação, em que o solvente é mantido em agitação e o espessante é adicionado, hidratando-se e/ou dispersando-se de modo acelerado (em geral, 30 min – 1h). Em muitos casos, adicionar o espessante lentamente evita a formação de grumos, economizando tempo ao fim do processo.

3º) dispersão com agitação e calor, em que o solvente é pré-aquecido e mantido sob agitação e/ou temperatura controlada, enquanto o espessante é adicionado (em geral, 30 min – 1h). Em muitos casos, a adição vagarosa tem seus benefícios.

Anúncio

4º) dispersão com adjuvantes, em que o pó espessante é misturado com um agente molhante (glicerina, propilenoglicol etc.) ou com algum outro pó presente na fórmula (NaCl, MgSO4, sorbitol etc.), a fim de separar ao máximo suas partículas e facilitar a dispersão ao adicionar o solvente (em geral, 30 min – 1h). A adição do solvente pode contar ainda com agitação e calor, se necessário.

O único meio de descobrir o melhor método é identificando as limitações da tecnologia disponível e testando… às vezes, o melhor método para uma empresa não é o melhor para outra… e o melhor método para certo espessante, não é tão bom assim para outro…

Até a próxima!

Anúncio

Referências:
Dr. Robert Lochhead. Gums, thickeners and rheology modifiers [Curso]. 70th Annual Scientific Meeting, Society of Cosmetic Chemists, Dec. 9-10, 2015, New York – NY, USA.
Laba, D. Rheological Properties of Cosmetics and Toiletries (Cosmetic Science and Technology Series, v. 13). Marcel Dekker: New York, 1993.

Por Ivan Souza

Coordenador de Conteúdo. Farmacêutico Industrial pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). MBA em Gestão Empresarial (UEM). Doutor em Ciências pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP). Experiência em pesquisa e desenvolvimento de inovações no setor cosmético e farmacêutico.