Eu quero começar este texto fazendo você refletir sobre a sua própria opinião. Na sua concepção, o que é um “produto natural”? Reflita… tome o seu tempo…
Já tem uma opinião formada a respeito?
A verdade é que não existe uma resposta correta, porque ainda não há definição legal de ‘produto natural’ nem no Brasil, nem na maioria dos países. E as definições teóricas estão sempre sujeitas a atualizações e reinterpretações.
Então, veja a seguir como a equipe do Cosmética em Foco e colegas responderam à mesma pergunta:
“Pra mim, natural é o que é extraído da natureza. Sem quaisquer tipos de modificações…” Gustavo Boaventura
“Produtos naturais são aqueles que têm origem na natureza.” Lorene Armstrong
“Natural é uma forma geral de dizer vegetal, animal ou mineral.” João Victor Dalaneze
“O produto que tem relativamente mais matéria-prima natural que sintética, é mais natural que os produtos que não se valem desta preocupação.” Gisely Vieira
“Eu vejo natural como um oposto ao sintético… Eu não considero que alterações físicas descaracterizem o apelo natural […]. Filtrar e destilar a água, por exemplo, não faz ela ser menos natural.” Ivan Souza, com o endosso de Leandro Krause
“Cosméticos naturais não têm química ruim.” Consumidor(a) anônimo(a)
“Não me sinto capaz de opinar.” Glória Pires
Como vocês podem observar, o tema é bastante controverso e a equipe Cosmética em Foco ficou dividida. Alguns adotam uma definição mais rígida e entendem que produtos naturais são somente aqueles tais quais encontrados na natureza (ex.: mel, frutas, resinas etc.) e, portanto, um produto cosmético jamais será natural (afinal, não existem plantações de batom! Ainda!). Outros adotam uma definição mais flexível, que aceita que produtos naturais possam ser levemente beneficiados sem perder o caráter natural. Mas, na prática, a verdade é que como não há regulamentação cada um interpreta da maneira que bem entender, de modo que todas as definições coexistem.
Há no mercado, fabricantes de cosméticos que se preocupam em oferecer produtos com um selo ou certificação de cosmético natural, de acordo com os critérios definidos pela respectiva agência não-governamental certificadora (por exemplo: Ecocert e IBD). Neste caso, espera-se que o consumidor confie na idoneidade da organização certificadora, a qual se compromete a averiguar a veracidade das informações fornecidas pelos fabricantes de produtos naturais.
Há também fabricantes de ingredientes cosméticos que entendem o conceito de natural como algo ambientalmente correto, de modo que ingredientes produzidos conforme os princípios da química verde (em resumo: sem solventes e sem resíduos poluentes), a partir de matérias-primas de origem natural, são considerados também naturais, ainda que parcialmente modificados pelo homem. Tais ingredientes podem ser certificados ou não, e nos casos em que não há certificação, espera-se que o consumidor confie na idoneidade e na interpretação do fabricante.
Portanto, é possível falar de produtos com diferentes graus de ‘naturalidade’. Há aqueles produtos cuja totalidade ou a maior parte da composição química é de ingredientes considerados naturais e, muitas vezes, certificados. E há também aqueles produtos que reivindicam o caráter natural apesar de conter apenas uma quantidade mínima (menor que 1% em alguns casos!) de ingredientes naturais. Uma das propostas dos selos e certificações é justamente auxiliar os consumidores a identificar os produtos com maior caráter natural. No entanto, como não há uma definição legal, alguns fabricantes aproveitam-se desta ‘brecha na lei’ para comercializar como natural, produtos que têm uma alta carga de ingredientes sintéticos. Na verdade, isto caracteriza uma forma de Naturalwash, em alusão ao já discutido Greenwash (relembre aqui!).
Ciente dos prejuízos que a falta de regulamentação pode trazer à decisão dos consumidores, nos EUA, em 1993, a Food and Drug Administration (FDA) lançou um guia para definir o conceito de “alimento natural”. Neste guia ainda vigente, a FDA sugere que para utilizar o apelo ‘natural’, o fabricante deve certificar-se que nenhum aditivo artificial ou sintético, o qual normalmente não é esperado naquele tipo de alimento, seja adicionado ao produto. Por exemplo, um suco de laranja natural pode ser adicionado de açúcar, ácido cítrico e vitamina C; mas não deve conter conservantes como o sorbato de potássio. No entanto, esta definição não é totalmente clara quanto ao uso de ingredientes modificados geneticamente, por exemplo. E, por isso, a FDA pretende agora consultar o público para revisar este conceito e talvez transformá-lo em Lei. No Brasil, há uma definição para alimentos orgânicos, mas o termo natural não está muito esclarecido.
Ainda que se trate do setor de alimentos, este é um grande passo e espera-se que eventualmente uma definição de ‘cosméticos naturais’ seja originada a partir dos conceitos aprovados previamente pela FDA.
Hipoteticamente, supondo-se que a atual definição da FDA seja considerada satisfatória e extrapolada para o setor cosmético, poderíamos entender um ingrediente natural como aquele que é obtido a partir de matérias-primas disponíveis na natureza, sem qualquer adição de substâncias estranhas à matéria-prima de origem. Por exemplo, extratos vegetais brutos ou purificados; óleos, ceras e manteigas vegetais brutos ou refinados e a água purificada, contanto que livres de substâncias que não sejam naturalmente encontradas na matéria-prima.
Foto: Keko64 / FreeDigitalPhotos.net
Em se tratando de produtos cosméticos naturais, a associação fica um pouco mais complicada. Alimentos são encontrados na natureza, mas produtos cosméticos obviamente não. Sob esta perspectiva, nenhum produto cosmético poderia ser verdadeiramente natural, embora pudesse ser totalmente fabricado com ingredientes naturais. E isso poderia requerer um ajuste na maneira como se faz a publicidade e propaganda de cosméticos naturais, dando mais foco aos ingredientes que ao produto como um todo.
Mas o que é que os produtos naturais têm de tão especial para os fabricantes insistirem em propor cosméticos naturais?
A FDA já esclareceu que acredita que produtos naturais não estão obrigatoriamente relacionados a qualquer benefício nutricional ou de saúde. Contudo, muitos consumidores acreditam ou deixam-se seduzir pela proposta de que produtos naturais são melhores e mais seguros, pois “não contêm química ruim”! O Cosmética em Foco alerta para o fato de que essa afirmação não é necessariamente verdadeira. Produtos naturais, se usados inadequadamente, têm o mesmo potencial para o dano que muitos produtos sintéticos. A verdade é que o risco depende da dose e da via de exposição e não da origem da substância. Normalmente, a segurança dos produtos cosméticos, naturais ou não, é testada antes de ir às prateleiras.
Este vídeo em inglês que você pode assistir aqui mostra muito bem isso tudo. Basicamente, o vídeo fala que muitas substâncias de nome estranho e que a princípio parecem ser sintéticas, são encontradas em muitos alimentos naturais do nosso dia-a-dia. A imagem abaixo por exemplo, ilustra algumas das substâncias encontradas na fruta chamada mirtilo, ou blueberry. É interessante notar que umas dessas substâncias é o metilparabeno, o qual já foi muito injustiçado por ser utilizado como conservante em produtos cosméticos. Sim, o metilparabeno também está presente na natureza!
Vídeo This is Not Natural publicado por AsapSCIENCE em que se descreve e compara substâncias de origem natural e sintética.
Vídeo: Reprodução YouTube
Enfim, quero exemplificar as particularidades dos produtos naturais citando a marca Lush, que clama produzir cosméticos frescos artesanais. Entre os ingredientes utilizados em alguns de seus produtos estão o suco de limão, chás de folhas de sálvia e alecrim, gengibre e ovos, tudo verdadeiramente natural e muito fresco na hora da produção. O vídeo abaixo ilustra a fabricação artesanal do produto, bem como verificar a lista completa de ingredientes. É interessante notar que a lista de ingredientes não apresenta nenhum conservante. Eu imagino que este produto tenha passado por um teste de resistência microbiana, mas colocar ovos frescos e todos esses ingredientes em um produto que vai ser armazenado na prateleira ou na casa do consumidor por algum tempo me deixa de cabelo em pé, ainda que o alecrim tenha propriedades antissépticas! Eu também imagino que este produto tenha passado por um teste de segurança, mas eu acredito que sabemos menos sobre a composição dele (o que será que há em cada um desses vegetais?) que sobre a composição de um produto cosmético totalmente sintético!
Vídeo LUSH How It’s Made: Brazened Honey Fresh Face Mask publicado por LUSH em que se descreve e compara substâncias de origem natural e sintética.
Vídeo: Reprodução YouTube.
A proposta de produtos naturais é muito interessante e complementa o cardápio de opções disponíveis ao usuário de cosméticos! Mas definir o que é natural traz mais clareza e poder de decisão ao consumidor e o Brasil precisa evoluir neste sentido. Afinal, melhores ou piores, os cosméticos naturais estão aí…
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DECRETO Nº 7.048 DE 23 DE DEZEMBRO DE 2009
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