A acne, também conhecida como Acne vulgaris, é uma condição crônica da pele causada pela obstrução ou inflamação dos folículos pilosos e suas glândulas sebáceas associadas, que juntos recebem o nome de unidades pilossebáceas. O termo Acne vulgaris (vulgaris significa comum) foi usado pela primeira vez em 1840 e é assim denominamos esta condição até os dias atuais.
No passado, a acne era considerada uma doença infecciosa, mas hoje é reconhecida como um processo inflamatório. A acne se desenvolve a partir de uma interação complexa entre múltiplos fatores. Acredita-se que a genética desempenhe um papel importante para seu surgimento, uma vez que o número e o tamanho das glândulas sebáceas e sua atividade são heranças genéticas. A atividade das glândulas sebáceas está sob a influência de hormônios, em particular o andrógeno diidrotestosterona. Durante a adolescência, o corpo produz hormônios androgênicos, que atuam diretamente na glândula sebácea para aumentar a produção e a excreção de sebo. O aumento do sebo combinado com a hiperqueratinização folicular anormal resulta em queratinócitos que bloqueiam o ducto pilossebáceo e propiciam a formação de comedões. A colonização bacteriana com o anaeróbio Propionibacterium acnes estimula a inflamação através de vários mediadores pró-inflamatórios, incluindo as interleucinas-12 e 8 e o fator de necrose tumoral.
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Por estar relacionada aos folículos sebáceos, a acne normalmente afeta áreas com maior densidade destes folículos. Isso inclui o rosto, parte superior do tórax e costas. Embora todas as faixas etárias possam ser afetadas, é um distúrbio principalmente relacionado à adolescência. Tipicamente começa por volta dos 12 a 14 anos de idade, mas tende a se manifestar mais cedo em pacientes do sexo feminino. Casos de maior gravidade acontecem entre 16 e 17 anos em mulheres e 17 e 19 anos em homens.
Pode apresentar-se como comedões não-inflamatórios, pápulas inflamatórias, pústulas, nódulos e cistos, ou uma mistura destas lesões. É possível que resulte em sintomas de sensibilidade local e eritema.
A acne é extremamente comum e propensa a afetar a maioria das pessoas em algum momento de suas vidas. Dos casos existentes, aproximadamente 20% progridem para acne grave, o que pode levar a cicatrizes permanentes. Embora a condição não seja uma ameaça à vida, ela pode causar morbidade psicológica significativa e levar a cicatrizes duradouras e a alguns casos de desfiguração facial, caso não seja tratada. O objetivo do tratamento é evitar complicações a longo prazo. A condição pode estar associada a complicações psicossociais significativas, incluindo baixa auto-estima, imagem corporal alterada, isolamento social e depressão. Estes fatores psicossociais são freqüentemente negligenciados. Porém, a acne pode ter impacto negativo severo, levando a pessoa a procurar por tratamentos psicológicos específicos.
Segundo estudos, a acne é responsável por mais de 3,5 milhões de consultas médicas por ano e afeta 80% das pessoas em alguma fase entre 11 e 30 anos de idade. Durante a adolescência, a acne é mais comum em homens. No entanto, ela também pode ocorrer em adultos, sendo então mais prevalente em mulheres.
Como se forma a acne
A acne tem causas multifatoriais, mas acredita-se que o Propioniumbacterium acnes tenha um papel importante na sua inflamação. O P. acnes é uma bactéria gram-positiva, anaeróbica e que faz parte da microbiota normal da pele. Com a hiperprodução sebácea pela glândula, ocorre a proliferação dessa bactéria, favorecendo o aparecimento da acne. No final da primeira infância ocorre um aumento fisiológico na taxa de secreção sebácea, em ambos os sexos, devido ao início da produção estrogênica adrenal, sendo maior entre os homens. A partir da adolescência tem-se um decréscimo nesta secreção, acentuando-se após os 50 anos, principalmente entre as mulheres.
O P. acnes instala-se na glândula sebácea e seu metabolismo enzimático promove, por hidrólise dos triglicérideos, a liberação de ácidos graxos livres, que são substâncias irritantes e portanto atuam como quimiotáticos para as células do sistema imunológico. Indivíduos com acne possuem uma maior velocidade de secreção de sebo, levando a um aumento cumulativo dos ácidos irritantes na superfície cutânea. Quando este quadro se instala, observa-se a presença de pápulas inflamatórias, pústulas, nódulos e cistos inflamatórios, que caracterizam acne moderada a severa.
A hiperqueratinização folicular é decorrente da hiperproliferação dos queratinócitos e/ou separação inadequada dos corneócitos ductais que leva ao aparecimento de comedões (comedogênese), sendo este um dos fatores mais importantes da acne.
Por fim, a alteração na barreira epidérmica facilita a penetração de organismos e ácidos graxos pró-inflamatórios (presentes no sebo) na derme, promovendo dessa maneira infecção e inflamação.
Características da acne
Os comedões são o tipo básico de lesão acnéica, podendo ser abertos ou fechados. Comedões fechados são pequenos folículos obstruídos, cujo conteúdo não é exposto à superfície da pele. Comedões abertos (cravos) são pequenos folículos com aberturas dilatadas na pele. A cor preta resulta da oxidação dos detritos situados dentro do folículo.
As pápulas são pequenas elevações da pele, geralmente em cor vermelha.
As pústulas se assemelham às pápulas, mas têm uma bolsa central de pus.
Os nódulos e cistos são inchaços dolorosos maiores, geralmente com mais de 5mm de tamanho.
Podem surgir ainda outras lesões de pele, que se desenvolveram como consequência da acne. Estes incluem: cicatrizes atróficas, eritema pós-inflamatório ou hiperpigmentação e quelóides.
A acne pode ser classificada em leve, de leve a moderada, moderada e severa/grave, conforme tabela abaixo.
Avaliação da gravidade da acne | Descrição da gravidade |
Leve | Comedões leves e abertos e poucas lesões inflamatórias |
De Leve a Moderada | Comedões leves/moderados com pápulas e pústulas inflamatórias ocasionais |
Moderada | Muitos comedões com pequenas e grandes pápulas e pústulas inflamatórias |
Severa/Grave | Muitos comedões e lesões inflamatórias com nódulos e cistos; evidência de cicatrização |
Tratamentos tópicos para acne
A acne apresenta-se em diferentes idades e em diferentes severidades.
Dermatologistas têm diferentes opções para o tratamento tópico da acne. Peróxido de benzoíla, retinóides tópicos e ácido azeláico podem ser usados sozinhos ou em combinação. Os antibióticos tópicos não são recomendados como monoterapia, mas podem fazer parte do tratamento da acne quando em combinação com outros agentes, a fim de evitar a propagação de P. acnes resistentes. O papel preciso da dapsona tópica continua a ser determinado, à medida que ganhamos mais experiência com o agente, mas parece ser uma boa opção terapêutica, particularmente para mulheres adultas com acne.
No geral, os ativos tópicos são escolhidos como tratamento único para a maioria dos pacientes com acne e fazem parte do esquema terapêutico de quase todos os pacientes que apresentam essa patologia. O tratamento tópico é o suficiente para acne com comedões. Em caso de acne mais grave, o tratamento tópico pode ser combinado ao sistêmico.
Agentes contendo enxofre ou resorcinol foram utilizados especialmente na primeira parte do século 20. Ácido salicílico, um agente queratolítico, era popular durante algum tempo. Nos dias atuais, os agentes tópicos mais populares são os retinóides, o peróxido de benzoíla, ácido azeláico e antibióticos tópicos.
Retinóides
Agentes derivados da vitamina A. Eles corrigem a hiperqueratinização folicular anormal e inibem a formação de novos comedões. Irritação da pele e vermelhidão podem ocorrer na fase inicial do tratamento. Esses agentes tornam o estrato córneo menos espesso e podem aumentar a fotossensibilidade; os pacientes devem, portanto, receber orientação sobre proteção solar. Além disso, os retinóides podem ser irritantes quando presentes em géis à base de álcool e soluções com maior potencial de irritação. Os pacientes devem ser aconselhados a evitar sabões abrasivos e outros agentes potencialmente irritantes que traumatizem a epiderme.
A aplicação em dias alternados (especialmente no início da terapia), a redução da concentração de retinóides e as combinações com agentes menos irritantes devem ser sugeridas caso a irritação da pele se torne crítiva. Outra alternativa são os sistemas de liberação diferenciados, principalmente através da liberação controlada, que foram desenvolvidos para diminuir a irritação.
Os retinóides tópicos usados para acne incluem tretinoína, adapaleno, tazaroteno e isotretinoína. Eles inibem a proliferação de queratinócitos, melhoram a diferenciação celular e, mais importante, aumentam a renovação do epitelial folicular, suprimindo a formação de microcomedões, o precursor mais precoce da lesão acneica. Os retinóides tópicos não inibem diretamente P acnes, mas criam um ambiente inóspito para a existência desta bactéria. Sua ação na produção de sebo é muito limitada em comparação com os retinóides sistêmicos.
Todos os retinoides tópicos devem ser evitados durante a gravidez.
Peróxido de benzoíla
É um agente bactericida com capacidade de reduzir populações de P. acnes nos folículos sebáceos, incluindo cepas resistentes a antibióticos. É útil tanto para lesões inflamatórias como não-inflamatórias, e não está associado à resistência bacteriana. É um poderoso agente antimicrobiano inespecífico. Sua natureza lipofílica permite que penetre no estrato córneo e entre no ducto pilossebáceo. É rapidamente degradado em ácido benzóico e peróxido de hidrogênio, gerando radicais livres oxidativos que resultam em morte bacteriana. Também pode agir inibindo a liberação de espécies reativas de oxigênio por neutrófilos e prevenindo a liberação de sinais de pró-inflamação que têm um papel na acne.
Este ativo também está disponível em combinação com outros tratamentos da acne com diferentes mecanismos de ação, em um esforço para aumentar a eficácia e minimizar a resistência das bactérias de antibióticos tópicos. Os efeitos colaterais incluem dermatite irritante, vermelhidão, descamação e sensação de queimação. Além disso, pode causar secura e irritação da pele, o que pode ser minimizado diminuindo a concentração para o limite de tolerância. Além disso, pode manchar roupas e cabelo, mas ainda é considerado seguro e bem aceito pelos pacientes.
O peróxido de benzoíla é utilizado em formulações tópicas nas concentrações de 2,5% – 10,0%, propiciando redução considerável de P. acnes. Pode ser utilizado uma ou duas vezes ao dia, devendo ter cuidado com a exposição solar. Sua ação em lesões inflamatórias é relatada como similar aos antibióticos tópicos, sendo ainda mais efetiva em lesões não-inflamatórias.
Ácido azeláico
Pode ser usado como opção de segunda escolha para acne, caso outros tratamentos tenham se mostrado inadequados ou não tolerados. Há poucos dados científicos sobre esse ácido e os resultados não são suficientemente conclusivos.
O ácido azelaico (AzA) tem ação antimicrobiana, antiinflamatória e comedolítica. A ação antibacteriana afeta diferentes microorganismos cutâneos, incluindo P acnes e S epidermidis. O ácido reduz a concentração de P acnes na superfície da pele e folículos. O mecanismo exato permanece incerto, mas sugere-se que tenha ação sobre o gradiente de pH transmembrana, inibindo principalmente a síntese protéica do microorganismo suscetível. A atividade antiinflamatória do ácido azeláico diminuindo lesões inflamatórias da acne e é atribuída ao fato de que o ácido azelaico in vitro é sequestrador de espécies reativas de oxigênio e, portanto, e capaz de inibir a geração de espécies de oxigênio por neutrófilos. Este ácido diminui o tamanho e o número de comedões, alterando a hiperqueratose folicular.
Nenhuma resistência bacteriana foi associada ao tratamento com ácido azelaico. Outro benefício do seu uso como ativo antiacne é o fato de reduzir a hiperpigmentação pós-inflamatória devido à sua atividade antitirosinase. Os efeitos colaterais do ácido azelaico incluem coceira, queimação e disestesia. As reações locais podem ser bem toleradas com o início gradual da aplicação (aplicação única diária) e a aplicação concomitante de produtos com apelo tranquilizante/calmante.
Antibióticos Tópicos
São freqüentemente usados para sua atividade contra P. acnes. Existe risco de resistência bacteriana contra estes agentes, razão pela qual não são utilizados como monoterapia (resistência bacteriana já mencionada pelo Cosmética em Foco). Os antibióticos tópicos são geralmente combinados com retinóides ou peróxido de benzoíla. O uso tópico de antibióticos deve, se possível, ser limitado a não mais que 12 semanas.
Antibióticos tópicos são usados contra acne devido às suas ações antibacterianas e antiinflamatórias, embora ofereçam benefícios limitados para o tratamento da acne com comedões. Seu efeito antimicrobiano é atribuído à inibição da síntese protéica bacteriana. Sua atividade antiinflamatória possivelmente se relaciona com a inibição da quimiotaxia de leucócitos polimorfonucleares. Os principais antimicrobianos utilizados são eritromicina e clindamicina. A tetraciclina é menos usada.
A eritromicina a 2-4% e a clindamicina a 1% estão disponíveis em várias formulações tópicas. A eritromicina parece ser o antibiótico tópico mais eficaz nas lesões inflamatórias da acne nas últimas décadas (melhora de 94% com a eritromicina, 82% para a clindamicina e 70% para a tetraciclina); no entanto, sua eficácia parece estar diminuindo em estudos mais recentes, provavelmente devido ao surgimento de bactérias resistentes a antibióticos.
Os antibióticos tópicos têm sido um dos pilares do tratamento da acne por muitas décadas, embora a resistência antibiótica do P. acnes tenha sido relatada pela primeira vez há aproximadamente 40 anos. Mais de 50% das cepas de P. acnes são relatadas como resistentes. Esta resistência parece surgir através da seleção de cepas bacterianas resistentes preexistentes ou através da aquisição de um novo fenótipo resistente. A questão da resistência aos antibióticos é mais ampla, porque outros membros do microbiota são afetados e mudanças neste ambiente podem aumentar o risco de colonização por organismos patogênicos. Além disso, o risco de infecção do trato respiratório superior em indivíduos que fazem uso de antibióticos para tratar a acne é relatado como sendo cerca de duas vezes maior que o risco apresentado por aqueles que não usam antibióticos.
O desenvolvimento de resistência bacteriana é menos provável em pacientes que são tratados com uma combinação de peróxido de benzoíla e eritromicina ou clindamicina. As diretrizes européias para o tratamento da acne sugerem que a monoterapia tópica com antibióticos não é recomendada. Combinação de antibióticos tópicos e retinoides tópicos são mais eficientes que quando usados isoladamente. Os retinoides tópicos aumentam a penetração de antibióticos na região pilossebácea, bem como aumentam as atividades anticomogênica e comedolítica. No entanto, não oferecem proteção contra o desenvolvimento de cepas bacterianas resistentes, como relatado para as combinações de peróxido de benzoíla e antibióticos.
Considerações finais
Deve-se ter em mente que, qualquer que seja o tratamento escolhido, a melhora da aparência da pele leva algum tempo, especialmente em casos mais graves de acne. Na ânsia por uma melhora imediata na aparência, pacientes optam por aplicar maquiagem sobre a acne, o que é capaz de agravar o quadro da doença.
Atualmente já existem maquiagens especialmente desenvolvidas para pacientes com acne (com composição mais voltada à ingredientes minerais), propiciando a camuflagem dos comedões e vermelhidão e consequentemente devolvendo a qualidade de vida aos pacientes até que sua pele se apresente saudável de forma natural.
Além dos tratamentos tópicos citados, sabe-se que o tratamento pode ser realizado também por via oral com antibióticos, terapias hormonais e isotretinoína, além de tratamentos à laser, mudança de hábitos alimentares e aplicação de corticoides injetáveis.
É de extrema relevância que se procure um médico dermatologista, especialista capaz de tratar a gravidade de cada caso da melhor maneira, além de fornecer acompanhamento profissional e as instruções necessárias para que o paciente consiga os melhores resultados a partir do tratamento escolhido.
Referências
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