O tratamento da acne e a resistência microbiana

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O texto abaixo aborda um tema relevante tanto à Cosmetologia quanto à Dermatologia. No entanto, não fazemos qualquer tipo de indicação ou recomendação de tratamento. Para orientações sobre tratamentos dermatológicos procure um dermatologista.

Quem não se incomoda com a presença das famosas “espinhas”, principalmente na adolescência, mas que pode se estender ou reaparecer na fase adulta? A famosa acne, ou como popularmente conhecida “espinha”, é caracterizada por um processo inflamatório da unidade pilossebácea (folículo piloso e glândula sebácea adjacente) identificada pela formação de um comedão (comedogênese) ou “cravo” oriundo da obstrução do orifício de saída da unidade supracitada. Neste momento, com a produção de sebo bem, o acúmulo de secreções e restos celulares – até ácaros, associada a posterior colonização bacteriana pela Propionibacterium acnes (P. Acnes) ocorre o temido processo inflamatório do qual deriva a acne. Embora não seja uma condição que ameace a vida, ela pode ser bastante incômoda e até mesmo levar à deformação da face ou à ocorrência de cicatrizes. O tratamento da acne varia de acordo com a sua gravidade e o uso de antibióticos (antibioticoterapia) para este fim é amplamente utilizado para os casos mais graves.

Apesar do sucesso terapêutico do uso de antibióticos no tratamento de diversas doenças ocasionadas por microrganismos (como bactérias, fungos, vírus e parasitas) a resistência microbiana a esses medicamentos coloca em risco a prevenção e o tratamento destas patologias, configurando-se como uma ameaça global à saúde pública em todas as regiões do mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo pauta inclusive da reunião da cúpula do Grupo dos 8 (G8) e tópico no relatório chave do Center for Disease Control (CDC). A resistência ocorre pois o uso de antibióticos tem como resultado a sobrevivência e reprodução de bactérias resistentes enquanto elimina as cepas sensíveis e, ao longo do tempo, este fato provocou um aumento gradual da propagação de microrganismos resistentes. São vários os mecanismos da resistência microbiana, como por exemplo as mutações genéticas aleatórias no DNA bacteriano, transferência de genes resistentes aos antibióticos entre as bactérias e propriedades intrínsecas que neutralizam o efeito desses medicamentos.

 

A antibioticoterapia no tratamento da acne pode contribuir com o aumento na resistência microbiana a antibióticos.
Foto: David Castillo Dominici / FreeDigitalPhotos.net

Uso INCORRETO de antibióticos pode aumentar doenças

Atualmente o mau uso de antibióticos começa a se transformar para incluir outras patologias onde os antibióticos têm sido a principal opção de tratamento, tais como a acne. Assim, o tratamento das famosas “espinhas” merece atenção sobre a resistência à antibioticoterapia já que mais de 80% dos adolescentes e adultos jovens têm acne e sua maioria faz uso prolongado de antibióticos orais de amplo espectro (tratamento padrão para acne moderada a severa). Portanto, o surgimento de P. acnes resistentes tem sido atribuído à prescrição generalizada tanto de antibióticos orais como tópicos no tratamento da acne e estudos recentes indicam a prevalência de cepas resistentes tem aumentado de forma constante ao longo dos últimos 30 anos, tendo aumentado de 20% em 1978 para 62% em 1996.

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Uma pesquisa recente no Reino Unido sobre o uso de antibióticos no tratamento da acne demonstra que no atendimento secundário a duração média desses medicamentos foi de 305 dias, enquanto que nos cuidados primários o uso prolonga-se para 06 meses em média, com um terço dos pacientes persistindo com a antibioticoterapia por mais tempo. As consequências do uso irrestrito de antibióticos para acne, além de criar bactérias resistentes com 80% dos pacientes apresentando resistência à eritromicina e clindamicina ou ambos e 25% resistentes às tetraciclinas, inclui taxas mais altas de infecções do trato respiratório superior decorrentes do uso desses antibióticos orais.

Ainda, de acordo com as orientações atuais para o uso racional desses medicamentos, os antibióticos orais e tópicos não devem ser usados em conjunto para tratar a acne. Contudo, os dados de prescrição indicam que 23% das prescrições de antibióticos orais continuam sendo combinadas com antibióticos tópicos e, além disso, todas as recomendações descrevem a utilização de um retinóide tópico ou peróxido de benzoíla em combinação com os antibióticos orais (substituindo os tópicos) para reduzir o potencial da resistência. Todavia, por falta de mais evidências científicas que comprovem esta relação da acne e da resistência a antibioticoterapia, há divergências acerca do uso e do tempo pelo qual o tratamento deve persistir.

Dessa forma, os antibióticos orais continuam sendo uma importante opção no tratamento de pacientes com acne moderada a grave até porque a isotretinoína oral (possibilidade de tratamento para acne grave) pode levar a numerosos efeitos secundários graves como a teratogenicidade (má formação fetal). No entanto, uma importante ação para a preservação da eficácia desses medicamentos é a de assegurar que os antibióticos orais sejam utilizados apenas por um tempo limitado e não em combinação com um antibiótico tópico. Portanto, faz-se necessária a consciência para o uso racional de antimicrobianos em geral, dada a emergência da saúde global sobre a resistência aos antibióticos, bem como suprir as lacunas de conhecimento que existem acerca da antibioticoterapia para a acne.

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Referências
ANTIBIOTICS AND ACNE: AN EMERGING ICEBERG OF ANTIBIOTIC RESISTANCE?. British Journal of Dermatology, n. 175, p. 1127-1128, 2016.
BRENNER, F. M. et al. Acne: um tratamento para cada paciente. Revista Ciência Médica, Campinas, v. 15, n.3, p. 257-266, mai/jun 2006.
STEPHENS, Pippa. Para OMS, resistência de bactérias a antibióticos é ‘ameaça global’. BBC.  Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/04/140430_resistencia_antibioticos_rb>. Acesso em 02 fev. 17.
Resistência aos antibióticos e tratamento de acne: Enfrentar o desafio. Galderma Media Center, nov. 2014.
Acne. Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica. Disponível em: <https://www.sbcd.org.br/pagina/1593>. Acesso em 02/02/2017.

Por João Victor Dalaneze

Redator. Químico e Especialista em produtos capilares pelo Instituto Manchester Paulista de Ensino Superior do grupo Veris Faculdades. Especialista em Legislação Ambiental e Sanitária pelo SENAC/SP. Pós-graduado em Gerenciamento de Projetos pelo SENAC/SP e MBA em Cosmetologia pelo IPUPO.

2 comentários

  1. Ótima matéria! Vcs são 10. Esclarecem muitas coisas.
    Queria saber o seguinte: Deixando de lado os antibióticos, o que poderia tratar e principalmente como evitar digamos a “proliferação ” da acne?

    1. Obrigado por seu comentário Kele! O ideal é você procurar um médico para esse acompanhamento, afinal o importante para conter essa “proliferação” é descobrir a causa. No entanto, algumas ações simples são sempre positivas como lavar o rosto com sabonete adequado ao seu tipo de pele, e hidratar a pele também com um hidratante adequado, usar fotoprotetor diariamente, não dormir com maquiagem no rosto, não levar as mãos sujas ao rosto, etc.

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