Projeto de marco legal para acesso ao patrimônio genético da biodiversidade

publicado

Temas Regulatórios

O que esperar do Projeto de novo marco legal para o acesso ao patrimônio genético da biodiversidade?

A Presidência da República apresentou, em 24 de junho de 2014, sob o regime de urgência, o Projeto de Lei nº 7735/2014, propondo um novo marco regulatório para o acesso ao patrimônio genético brasileiro e repartição de benefícios.

Ele reconhece a necessidade de revisão regulatória do paradigma de comando e controle que funda o sistema atualmente vigente de autorizações para acesso ao patrimônio genético e, em seu lugar, propõe um mecanismo binário, que diferencia entre o acesso por empresas nacionais e estrangeiras.

O acesso ao patrimônio genético por empresas nacionais estaria sujeito a um cadastro eletrônico pelo usuário, enquanto o acesso por pessoa jurídica sediada no exterior e não associada à pessoa jurídica nacional estaria sujeita à autorização prévia do CGEN – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (quando se tratar de desenvolvimento tecnológico) ou do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (quando se tratar de pesquisa).

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Ou seja, o novo marco regulatório propõe o controle prévio apenas do acesso por empresas estrangeiras ao patrimônio genético brasileiro e conhecimentos tradicionais associados. O acesso por empresas nacionais estaria submetido a um mecanismo declaratório e simplificado. Quanto ao Acordo de Repartição de Benefícios, ele passaria a ser exigido apenas no momento da exploração econômica do produto final desenvolvido, junto com uma notificação ao CGEN antes do início da respectiva comercialização.

E caso o produto acabado não tenha sido produzido no Brasil, qualquer parte relacionada no Brasil, ou em território de países com os quais o Brasil mantiver acordo com este fim, responderá solidariamente com o fabricante do produto acabado pela repartição de benefícios. Na prática, dificuldades poderão se apresentar para oneração de parte relacionada por benefícios econômicos decorrentes da comercialização em outros mercados de produto desenvolvido a partir do acesso à biodiversidade brasileira.

De acordo com o Projeto de Lei, a repartição de benefícios poderá ocorrer em modalidade monetária ou não monetária, como, por exemplo, através da transferência de tecnologia, disponibilização em domínio público de produtos ou processos e capacitação de recursos humanos. Quando a modalidade para repartição de benefícios for monetária, será devido à União Federal um por cento da receita líquida anual obtida com a comercialização do produto desenvolvido. É possível, contudo, a assinatura de acordos setoriais com redução desse percentual para até um décimo por cento da receita líquida anual, se comprovadas margens reduzidas de rentabilidade.

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E apenas o fabricante do produto acabado estará sujeito à repartição de benefícios, com vistas a desonerar as atividades de pesquisa e desenvolvimento e transferir para o último elo da cadeia de inovação o ônus econômico pelo acesso à biodiversidade brasileira.

Com relação ao acesso a conhecimentos tradicionais, o consentimento prévio passa a ser exigido apenas quando houver origem identificável. Ou seja, estaria superada a dificuldade de obtenção de consentimento para conhecimentos tradicionais difusos. E a própria repartição de benefícios difusos poderá ser resolvida por meio de acordos com a União, representada pelo Ministério do Meio Ambiente.

Finalmente, o Projeto de Lei prevê que a regularização do acesso ao patrimônio genético extingue as multas anteriormente aplicadas pelo IBAMA e reduz em 90% aquelas aplicadas por acesso a conhecimento tradicional associado.

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A proposta de revisão do marco regulatório brasileiro é positiva e pode significar o reconhecimento de que mecanismos regulatórios de proteção ambiental devem ser eficientes, ágeis e permeáveis às preocupações econômicas de não geração de desvantagens competitivas inadequadas e que não se sustentam em simples mandamentos de proibição, comando e controle.

Além disso, os gargalos procedimentais da legislação atual são incompatíveis com a racionalidade econômica sugerida pela CDB, pois o custo de transação de adequação regulatória e as incertezas do procedimento inibem a adoção do mecanismo. Com um mecanismo mais eficiente, a regularização do acesso ao patrimônio genético será bem mais simples.

Por Elizabeth Fernandes Alves

Elizabeth Alves Fernandes é mestre e doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre pelo Colégio Europeu de Parma e advogada sênior do Tauil & Chequer Advogados Associado a Mayer Brown LLP. Escreveu para textos na coluna Temas Regulatórios em 2014.