Prestes a completar 100 anos de lançamento da sua icônica fragrância, no próximo ano, a marca Chanel continua sendo um sucesso. Ao pensarmos na marca e em sua fundadora, é possível pensar imediatamente em vanguarda, em ousadia e, ao mesmo tempo, também em minimalismo, conceitos tão diversos do tradicionalismo e da extravagância de roupas e joias do início do século XX.
Gabrielle Bonheur Chanel nasceu em 1883 na cidade de Saumur (França), sendo uma das filhas de um casal humilde composto por uma lavadeira e por um vendedor. Após o falecimento da sua mãe, seu pai a levou para um pensionado em Auvergne, junto aos seus irmãos.
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Ainda quando bem jovem, Gabrielle trabalhou como balconista em uma loja de tecidos, onde aprendeu a costurar. Ela também atuou como cantora em um café, mas seu talento estava muito mais na costura que no canto. Ela conhecia apenas duas músicas muito simples, uma delas chamada “Qui qu’a vu Coco”, que repetidamente mencionava a palavra “Coco”. Naturalmente, este se tornou seu apelido. Concluímos que ela tomou o apelido de muito bom grado, adotando como seu próprio nome e como, eternamente, seria reconhecida. No entanto, a simplicidade da sua infância não lhe trazia orgulho, sendo motivo de frequentes mentiras de Coco para seus amigos e clientes.
Seu trabalho como cantora lhe apresentou a um rico militar, herdeiro de uma grande fábrica de tecidos para exército, chamado Étienne Balsan. Dizem os boatos que eles foram amantes por alguns meses, mas mantiveram amizade ao longo de toda a vida, amizade esta que proporcionou a Coco frequentar ambientes de classe alta.
No entanto, foi o industrial inglês Arthur Capel, também conhecido como Boy Capel, que lhe ajudou a abrir sua primeira loja, uma chapelaria. Com o talento e empenho de Coco, a chapelaria logo a transformou em estilista de roupas em geral. Veio daí seu grande destaque: diferentemente do que os anos 20 exibiam, Coco não desenhava roupas extravagantes, cheias de plumas ou brilhos. Suas criações estavam muito mais baseadas naquilo que era funcional para a mulher da época, sendo sua grande inspiração o vestuário masculino. Coco foi a primeira estilista a ousar trazer as calças compridas para o guarda-roupa feminino! Também veio dela o tailleur (conjunto de saia e paletó), o cardigan, o clássico tweed, o corte de cabelos curtos (conhecido, não por acaso, como corte Chanel), camisas soltas (tradicionalmente usadas como roupas íntimas masculinas), “yatch pants” (calças de cintura alta e largas nas pernas) e camisetas listradas. Por conta do novo comprimento proposto para as saias, que passaram a mostrar o tornozelo das mulheres, foi preciso também repensar os sapatos. Ela criou então o sapato bicolor: nude para alongar as pernas, com o bico mais largo e preto para não incomodar ou mostrar-se sujo, sendo muito mais confortáveis que os sapatos da época. Veio depois o vestido pretinho básico. Até a década de 1920, preto era uma cor destinada ao luto. Em 1926, um vestido preto de crepe com mangas justas e compridas foi publicado na revista Vogue americana, sendo eternizado por ninguém menos que Audrey Hepburn no clássico “Bonequinha de Luxo”, tornando-se sinônimo de elegância. O modelo foi mencionado pela conceituada revista como sendo o “Ford dos vestidos”. A marca também lançou a bolsa com alça, permitindo que as mãos das mulheres permanecessem livres, libertando-as da necessidade de segurar os objetos constantemente. Em relação às cores, Coco exaltou especialmente o preto e o branco, mas também o cinza, o azul-marinho e o bege; trazendo as pérolas e as bijuterias para o cotidiano das mulheres elegantes.
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Foi no início dos anos 1920 que Coco, obstinada a entregar um mimo às suas melhores clientes, investiu na ideia de desenvolver uma fragrância exclusiva. Ela buscou por François Coty, o mais famoso responsável pelo universo dos perfumes da época. Com ele, Coco aprendeu muito sobre fragrâncias, treinando seu nariz para melhor definir as famílias olfativas que mais lhe agradavam. Foi uma fragrância antiga e de propriedade dos czares russos imortalizada no lenço de um bailarino, Serguei Diaghilev, que a inspirou a criar seu inconfundível Chanel Nº 5. Coco buscou pelo perfumista responsável pelo desenvolvimento da fragrância, Ernest Beaux, e, por um erro de concentração de aldeídos praticado por sua assistente, Coco encantou-se pela amostra oferecida ainda mais que pela fragrância original. Surgia então, em 1921, o Chanel Nº 5, por ser esse o número da amostra apresentada e, talvez não por acaso, seu número da sorte. A fragrância contava com mais de 65 substâncias em sua composição, dentre as quais: rosas, jasmins, flores raras do oriente, sândalo, além da luxuosa essência obtida de uma árvore tropical ameaçada de extinção, denominada pau-rosa. Tão inusitada quanto a fragrância, era sua embalagem: um modelo minimalista de vidro, retangular e com uma etiqueta branca, muito diferente do estilo rebuscado e cheio de detalhes da época.
Ao presentear suas clientes e espalhar a fragrância pelos restaurantes que frequentava, Coco despertou um desejo generalizado. Tanto que conquistou a atenção do fundador da loja de departamento Galeries Lafayette, Théophile Bader. Para tanto, ela precisava expandir a produção. Foi quando, então, Coco foi apresentada por Bader à Pierre Wertheimer, um dos proprietários da empresa de cosméticos Bourjois. Em 1924, Coco fundou Les Parfum. Assim, depois do Chanel Nº 5, muitos outros perfumes vieram.
Em 1924, veio então a linha de produtos de maquiagem, com cores para os lábios e pós faciais. Já em 1927, veio a linha de produtos skincare, que na época ainda não tinham esse nome, mas o conceito era bastante similar ao atual. A marca Chanel lançou uma linha com quinze produtos para o cuidado da pele, com foco em uma pele perfeita.
Apesar da loja na Rue Cambon, paralela ao Faubourg Saint Honoré, a alameda parisiense das grandes grifes, e das lojas em Deauville, o período da Segunda Guerra Mundial foi especialmente difícil para a marca. Muito se especula sobre a relação de Coco com as tropas nazistas e o que se sabe é que a marca sofreu retaliação, levando Coco a passar um período da vida na Suíça. Todas as lojas permaneceram fechadas e, à venda, só se encontravam os frascos de Chanel Nº 5. Entre 1953 e 1954, Coco reinaugurou seu ateliê.
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Em 1954, a marca lançou um batom cremoso em bala (stick) que também virou objeto de desejo, e que sofreu modificações futuras segundo as tendências tecnológicas mais atuais. Sua embalagem era retangular e uma réplica exata do frasco do perfume. O batom foi tão importante para a marca, a ponto de reservarem um compartimento especial em suas bolsas somente para guardá-lo.
Em 1955, a marca lançou então sua primeira fragrância masculina, chamada “Pour monsieur”. Foi também em 1955 que Marilyn Monroe, ao ser entrevistada, respondeu que usava apenas algumas gotas de Chanel Nº 5 para dormir. Sua resposta fez com que as vendas do perfume dobrassem, fazendo a marca lucrar aproximadamente US$ 162 mil naquele ano.
A composição da fragrância permaneceu praticamente inalterada ao longo de mais de meio século de existência, algo extremamente incomum, já que as pessoas, seus hábitos e preferências mudam continuamente. Não só a composição não sofreu alterações, como também os fornecedores de ingredientes foram mantidos, tais como as famílias de floricultores do sul da França, responsáveis pelo cultivo de grande parte dos jasmins e rosas de maio presentes na fragrância. É válido destacar que até hoje Chanel Nº 5 é o perfume mais vendido em todo o mundo, sendo comercializado em mais de 140 países. Em 2016, a marca lançou o Chanel Nº 5 L’Eau, um perfume inspirado no tradicional, porém voltado para um público mais jovem. Em 1981 a marca mudou de perfumista, assumindo Jacques Polge. O sucesso seguiu o mesmo.
Coco faleceu em 1971, vítima de um ataque cardíaco, sendo enterrada na Suíça.
Após sua morte, o empresário francês Jacques Wertheimer, próximo à Coco desde 1954, comprou a marca e a manteve sem grandes inovações, sendo muito bem recompensado pela venda de perfumes, cosméticos e acessórios. Ao assumir a marca, seu filho diminuiu a produção do Chanel Nº5, retirando o perfume das prateleiras e, com isso, fez as vendas dispararem. Desta forma, ele trouxe à Chanel o conceito de exclusividade, concomitantemente investindo grande fortuna em marketing.
Em 1978, a marca lançou sua coleção prêt-á-porter, ou seja, pronta para levar para casa. Já em 1983, Karl Lagerfeld tornou-se diretor artístico da marca, tanto para a linha de alta-costura quanto para a de prêt-à-porter, permanecendo no cargo até o ano passado, quando faleceu, e foi substituído por sua então braço direito, Virginie Viard, que integrou a equipe da empresa em 1987, como estagiária na área de bordados de alta-costura.
Em anos mais recentes, e em tempos de venda online, a marca lançou “Les exclusifs” em 2007, fragrâncias vendidas exclusivamente nas boutiques Chanel, uma coleção rara de fragrâncias simples e luxuosas. A coleção foi criada pelo perfumista Ernest Beaux e recriada pelo então perfumista da marca, Jacques Polge.
Em 2009, a marca apresentou “Rouge Coco”, uma linha luxuosa de batons de texturas cremosas desenvolvidos com inspiração do batom criado por Coco, proporcionando um resultado mais luminoso, confortável e acetinado. Pela presença de pigmentos extremamente refinados, a luminosidade da cor permanece preservada por mais tempo e o complexo Hydratender garante hidratação prolongada por até 8 horas. A linha conta com 30 cores diferentes, sendo que cada um deles recebeu o nome de uma fase importante da vida de Coco.
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Além dos cosméticos, a marca expandiu seu portfólio com o lançamento de óculos de sol e de grau. Mais recentemente, em 2017, a primeira flagship da marca, aberta em Tóquio em 1994, reabriu no seu endereço original.
A marca não parou de surpreender. Deixando claro que “beleza não é uma questão de gênero, mas de estilo”, Chanel lançou uma linha de três itens de maquiagem para o público masculino: 1) “Le Baume Lèvres”: lip balm de efeito matte, enriquecido com óleo de jojoba, manteiga de karité e vitaminas antioxidantes, que hidrata os lábios por até oito horas; 2) “Le Teint”: base disponível em quatro tons, com fórmula fluida e superleve e com FPS 25, que inibe o excesso de oleosidade da pele e contém ácido hialurônico e 3) “Le Stylo Sourcils”: caneta à prova d’água para as sobrancelhas, em quatro tons, tanto para preencher como esfumar e pentear. Segundo a marca, tais produtos “permitem que os homens, em suas rotinas de beleza, tenham as ferramentas necessárias para se sentirem melhor consigo mesmos. Além disso, eles devem ser livres para usar produtos de maquiagem para corrigir sua aparência, sem questionar sua masculinidade.” O lançamento foi realizado na Coreia do Sul e não foi por acaso. Estima-se que 75% dos sul-coreanos façam tratamentos de beleza em casa ao menos um por semana ou mais, comparado a apenas 38% dos franceses, mercado original da marca. Desta forma, o país se apresenta como país com maior demanda e que mais está avançado em relação às rotinas masculinas de maquiagem. Kristine Kim, gerente de comunicação da Chanel na Coréia do Sul, salienta que “os homens não devem considerar esses itens como unissex, já que melhor atendem às suas necessidades. Por exemplo: eles têm uma epiderme mais espessa e mais densa do que as mulheres, mais poros, pele mais oleosa – e os produtos abordarão essas questões.”
Por fim, em tempos de pandemia (e isolamento) que vivemos, a marca inovou e apresentou o desfile virtual Chanel para Cruise Collection 2021 em plataformas digitais.
Assim, Gabrielle tornou-se Coco Chanel e alterou, de maneira tão simples e significativa, o mundo em que vivia, reverberando no mundo em que atualmente vivemos.
Referências Bibliográficas:
https://www.revistalofficiel.com.br/moda/10-fatos-sobre-coco-chanel
https://inside.chanel.com/pt/timeline/1883_birth-of-gabrielle-chanel
https://super.abril.com.br/historia/coco-chanel-a-revolucionaria-da-moda/
http://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/05/chanel-coco-elegance.html
Filme Coco antes de Chanel (2009)
Livro Mademoiselle Chanel e o cheiro do amor (link patrocinado) – A história do perfume mais famoso do mundo (Michele Marley, 2018)