Silicones: a química do silício

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Em um dos vídeos da coluna Cosmética em Pauta (veja aqui), falei brevemente sobre algumas características do silício que o tornam o precursor de toda uma classe de compostos cuja característica principal é a versatilidade (e os resultados sensoriais únicos). Estamos falando dos silicones, aqueles que são usados em produtos cosméticos há décadas.

Diversos produtos contêm silicones.
Foto: imagerymajestic / FreeDigitalPhotos.net

Primeiro, por favor, quero que lhe pedir que deixe um pouco de lado preconceitos e polêmicas envolvendo essa classe de ingredientes que revolucionou a indústria cosmética. Vamos conhecê-los um pouco mais e depois cada um faz o julgamento que achar conveniente.

Está preparado? Vem comigo que o tema é químico, pode parecer complicado à primeira vista, mas é interessante. E encantador com as quase infinitas possibilidades que a tecnologia do silício proporcionou.

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O que são silicones

Estrutura química genérica dos silicones (polidimetilsiloxano).
Foto: Cosmética em Foco.

Silicone é um termo genérico para várias classes de polímeros de silício que consistem de um esqueleto siloxano inorgânico (Si-O) com grupos orgânicos ligados a ele. A estrutura mais básica é o polidimetilsiloxano (PDMS), com cadeias metil. É exatamente esta estrutura que oferece aos silicones as combinações únicas de propriedades.

Existem quatro unidades fundamentais para os silicones: unidade M, unidade D, unidade T e unidade Q, conforme a figura abaixo:

Unidades fundamentais dos silicones.
Foto: Cosmética em Foco.

O papel principal do esqueleto siloxano dos silicones é apresentar os grupos metil disponíveis em sua melhor conformação devido a sua flexibilidade ímpar. Comparados com os hidrocarbonetos, por exemplo, nos esqueletos de carbono ângulo de ligação é rígido e o impedimento estérico dificulta a adoção da conformação espacial de menor energia para os grupos laterais metil. Enquanto os esqueletos siloxano possuem extensão da ligação significativamente maior, resultando em mínima resistência à rotação da molécula e máxima flexibilidade das cadeias.

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Mas que impacto isso teria na molécula? Esta flexibilidade possibilita muitas orientações possíveis e acomoda diferentes tamanhos de substituintes ou a fácil difusão de moléculas gasosas (muito útil na formação de filmes que permitem a troca gasosa). Então, se for comparar um emoliente silicone com um emoliente mineral, o filme formado por um silicone é mais permeável à troca gasosa.

A flexibilidade das ligações da cadeia dos silicones também possui efeito profundo nas propriedades físico-químicas dos silicones. Assim, ponto de congelamento dos fluidos, ponto de fusão, retenção de líquidos são propriedades que variam muito pouco em função da temperatura e do peso molecular. Enquanto que na química do carbono, em temperatura ambiente, as cadeias de até 1 a 2 átomos de carbono (metil e etil) tendem a ser gases; de 3 a 10 átomos de carbono tendem a ser líquidos e acima de 10 átomos de carbono tendem a ser sólidos. Não é uma regra ou uma lei natural, mas o metano, propano e butano são gases, enquanto o octano é um dos principais constituintes da gasolina. (Curiosidade: gasolina de alta octanagem soa familiar?)

Além disso, a cadeia flexível do siloxano, ou organosilicone, também possibilita grande variedade de estruturas e compostos, incluindo moléculas cíclicas e lineares, em uma ampla variedade de pesos moleculares e graus de ramificações e ligações cruzadas.

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A ligação siloxano é excepcionalmente forte, promovendo ao polímero um alto grau de estabilidade térmica e oxidativa, e assegurando estabilidade em formulações.

Silicones são multifuncionais

Os silicones são multifuncionais. Talvez essa seja a frase mais repetida ao se falar dessa classe de ingredientes. A pergunta fundamental é: por quê? É simples (entender, não sintetizar). Naquelas unidades fundamentais apresentadas acima, pode ser ligada a um grupo substituinte diferente. Esse substituinte dá o nome ao grupo do referido silicone. Por exemplo, quando um desses substituintes é um grupo fenil, obtém-se um feniltrimeticone, por exemplo. A lógica é essa, mas na prática é mais complexo porque as cadeias dos polímeros de silicone geralmente são longas. Como o objetivo é compreender os silicones, não formar especialistas no assunto, vamos descrever agora os principais grupos de silicones disponíveis e suas macro características.

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PDMS Linear Os principais representantes dessa classe de silicones são os diversos tipos de dimeticone (Dimethicone). Vão de voláteis a não voláteis à medida que aumenta o peso molecular. A viscosidade pode variar de 0,65 mm²/s a 5,0 mm²/s ou até mesmo gomas. Quanto maior o peso molecular também maior a incompatibilidade com a água.
PDMS Cíclico Os famosos (e polêmicos) ciclometicones, ou ciclosiloxanos, são fluidos voláteis de estruturas cíclicas. O mais comum é o ciclopentasiloxano. Eles são muito usados como solventes e carreadores de silicones de alto peso molecular. Também ajudam a reduzir o tempo de secagem após a aplicação dos produtos.
Fluidos e misturas As misturas de silicones consistem de trimetilsiloxisilicatos ou gomas de dimeticonol ou dimeticone dispersados em dimeticones ou ciclometicones de baixo peso molecular. Elas foram desenvolvidas para melhorar o manuseio e a compatibilidade de gomas e resinas de alto peso molecular, usados por sua substantividade.
Feniltrimeticone A substituição dos grupos metil por grupos fenil aumenta o índice de refração dos silicones fluidos da classe dos feniltrimetiones. Além de aumentar o brilho, esses silicones melhoram a compatibilidade com compostos orgânicos.
Amodimeticone Os amodimeticones são fluidos nos quais os grupos metil foram substituídos por grupos amino primários ou secundários. Com isso, esses silicones adquirem carga positiva e, consequentemente, maior afinidade pelos cabelos. É muito frequente o uso de emulsões desses fluidos.
Alquilmeticone Os alquilmeticones são fluidos ou ceras cujos grupos metil foram substituídos por grupos alquil, resultando em uma família de híbridos silicone-hidrocarbonetos com diferentes viscosidades, pontos de fusão e propriedades reológicas. Esses silicones possuem maior compatibilidade com compostos orgânicos e melhoram substantividade, hidratação e ajudam a estabilizar emulsões.
Silicone Poliéter Dimeticone copoliol (Dimethicone Copolyol) são silicones poliéteres fluidos ou ceras nos quais alguns dos grupos metil ao longo do esqueleto siloxano foram substituídos por grupos polioxietileno ou polioxipropileno, que aumentam ou equilibram a hidrofobicidade dos copolímeros.
Elastômeros Esses silicones existem na forma de pó ou géis de silicone que são dispersos em solventes (geralmente ciclometicone). A adição de funcionalidades distintas em tais produtos também é possível. Eles são usados como modificadores de reologia em produtos para a pele e antiperspirantes, promovendo toque seco às formulações. Também promovem proteção térmica, redução da força, redução no tempo de secagem após aplicação e sensorial macio e sedoso.

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Essas são as classes principais e os silicones são ingredientes utilizados em diversos cosméticos, principalmente por seus benefícios sensoriais. Ao longo dos anos, a tendência verde vem conquistando mais e mais adeptos e todo e qualquer ingrediente suspeito vem sendo substituído. É o que acontece com os silicones após a polêmica envolvendo os ciclometicones em meados de 2010. Desde então mais dúvidas vem tomando conta de toda conversa que envolve os silicones.

Talvez seja como o sal no shampoo: o mito que se torna realidade; ou talvez seja comprovado e esses ingredientes sejam banidos dos cosméticos como aconteceu com os microplásticos. Nesse momento, a decisão de usar ou não usar vai de empresa para empresa. A grande maioria parou de usar os ciclometicones, algumas estampam em seus rótulos que não usam silicones, mas não abrem mão dos silicones amínicos. Enfim, se a decisão for performance, os silicones estão aí para ajudar. Se a preocupação for, de fato o meio ambiente, então o funil deve ser muito mais rigoroso do que apenas silicones, petrolato ou triclosan.

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Referências:
Paye, Marc, Barel, André O. e Maibach, Howard I. Handbook of Cosmetic Science and Technology. Second Edition. New York : Taylor & Francis, 2006. ISBN 1-57444-824-2.
Wilkinson, J. B. e Moore, R. J. Cosmetología de Harry. Madrid : Ediciones Diaz de Santos, 1990.
Butler, Hilda. Poucher’s Perfumes, Cosmetics and Soaps. 10th Edition. Dordrecht : Kluwer Academy Publishers, 2000. ISBN 978-0-7514-0479-1.
Macian, Karla Araujo e Wahl, Roy U. Rojas. A partir da areia foram desenvolvidas soluções avançadas para produtos de cuidado pessoal: química e benefícios dos silicones em formulações. Anais do 22º Congresso Brasileiro de Cosmetologia. São Paulo : s.n., 2008.
Environmental Working Group

Por Gustavo Boaventura

Criador e Diretor de Conteúdo. Farmacêutico Industrial pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista em Pesquisa & Desenvolvimento de Produtos Cosméticos. Mestre em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com foco no consumo de cosméticos masculinos. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Experiência em Pesquisa & Desenvolvimento de produtos capilares. É o idealizador e criador do Cosmética em Foco e escreve desde 2007.

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