DIY: quando o natural não é totalmente seguro

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O Cosmética em Foco reintroduziu o assunto dos cosméticos caseiros ou “DIY – Do It Yourself” com uma reflexão sobre os riscos de tais preparações. Desta vez, vamos falar sobre alguns dos “ingredientes” comumente utilizados em formulações de beleza do tipo “faça você mesmo”: o vinagre de maçã e o suco de limão.

Neste caso, a motivação para usar vinagre de maçã ou suco de limão em produtos caseiros não é necessariamente de ordem econômica. O preço não parece ser um fator tão importante, já que muitas das receitas caseiras recomendam o uso de vinagre de maçã ou suco de limão orgânicos, que às vezes são mais caros que um produto cosmético industrializado. Aparentemente, a preferência por tais ingredientes se deve ao seu “caráter natural” (leia mais sobre isso no texto Prefiro cosméticos naturais, seja isso o que for!) e ao fato de que os produtos industrializados são feitos com conservantes e outras químicas. Vale dizer que tudo tem química, até mesmo produtos naturais (assista nossa discussão sobre produtos sem química)!

Vinagre de maçã e suco de limão vão bem com a salada!
Foto: Supachai Rattanarueangdech / FreeDigitalPhotos.net

Quais os benefícios de se usar tempero de salada em cosméticos?

Primeiro, vamos tentar entender porquê se sugere o uso de vinagre e limão em preparações caseiras. Ambos os alimentos são excelentes temperos para salada, devido ao sabor acre ou azedo que proporcionam. Esse sabor é resultante da capacidade que o vinagre e o limão têm de estimular algumas papilas gustativas em nossa língua, as quais percebem a acidez dos alimentos. Tais alimentos são ricos em ácido acético e cítrico, respectivamente, bem como alguns outros compostos fitoquímicos presentes na matéria vegetal de origem (a maçã e o limão, no caso!). Supõe-se que a acidez do vinagre de maçã e do suco de limão possa ter aplicações interessantes para os cuidados cosméticos.

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Por exemplo, o conhecimento popular (ao menos das pessoas que propõem o uso de vinagre de maçã e suco de limão em cosméticos caseiros!) defende que a acidez desses alimentos é capaz de equilibrar o pH da pele e dos cabelos, além de ter efeito bactericida ou antifúngico, adstringente (isto é, reduz a oleosidade e melhora a aparência dos poros), bem como clareador e rejuvenescedor (pois acelera a descamação da pele). Do ponto de vista científico, alguns desses argumentos fazem sentido, outros nem tanto!

De fato, existe um grande potencial de que o vinagre e o suco de limão equilibrem o pH da pele e dos cabelos, já que este é o mesmo princípio dos agentes condicionadores como explicamos com riqueza de detalhes neste texto sobre o pH dos cabelos. A presença de ácidos em um meio torna-o rico em cargas positivas, as quais tendem a se combinar com a carga negativa da queratina presente na pele e nos cabelos, equilibrando o pH e agindo como condicionador. Contudo, é preciso tomar cuidado com a quantidade de vinagre ou suco de limão utilizado, pois o excesso de ácidos pode ser prejudicial (falaremos sobre isso mais adiante!).

O vinagre de maçã ou cidra também é usado para fazer bebidas muito saborosas
Foto: Naito8 / FreeDigitalPhotos.net

A ciência também já comprovou que ácidos são capazes de acelerar a descamação da pele, eventualmente resultando em uma pele mais clara e com aspecto rejuvenescido. Principalmente quando se utilizam alfa-hidroxiácidos, como o ácido cítrico ou o ácido málico encontrados no limão e na maçã, respectivamente; além de outros ácidos, como o glicólico e o lático.

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Já a atividade antifúngica e bactericida do vinagre de maçã e do suco de limão, ainda que existente, carece de estudos para que possamos compreender melhor como tais benefícios podem ser transferidos à uma preparação cosmética. Há evidências de que é necessário um pH em torno de 3,0 para que tais alimentos possam ter eficácia antimicrobiana, e um pH tão baixo assim pode ser bastante agressivo para a pele, cujo pH fisiológico varia de 4,5 a 5,5. Vale ressaltar que a atividade antimicrobiana desses alimentos pode vir também dos outros fitoquímicos presentes em sua composição, no entanto, pouco se sabe sobre a quantidade de fitoquímicos realmente presente em produtos naturais sem padronização.

Quais os riscos de se usar tempero de salada em cosméticos?

O primeiro risco está diretamente associado ao primeiro benefício: a acidez. Embora um certo nível de acidez traga benefícios para o aspecto da pele e dos cabelos, o excesso de acidez pode ser muito prejudicial. Acidez demasiada pode prejudicar a função barreira da pele ou do couro cabeludo, tornando-os mais suscetíveis e sensíveis a agentes externos, como a luz solar. Por sua vez, uma pele mais suscetível à luz solar pode manchar ou mesmo propiciar a evolução de câncer de pele. Além disso, o excesso de acidez desregula a microbiota da pele, facilitando o crescimento de micro-organismos danosos ou patogênicos. Enfim, há relatos clínicos de que o uso de vinagre e limão em preparações caseiras tenha causado queimaduras intensas, com ou sem exposição ao sol (veja as referências).

Em produtos industrializados, a quantidade de ácido adicionada é controlada por meio da verificação do pH e também pelo controle da quantidade exata de ácido que é adicionada ao produto (ácido purificado). Em fabricações domésticas, o controle adequado da quantidade de ácido é mais difícil, especialmente porque o consumidor não tem como determinar a quantidade de ácido presente no vinagre ou no suco de limão. Algumas variedades de vinagre ou suco podem ter quantidades maiores de ácido, e a exposição prolongada, ou seja, a permanência do produto sobre a pele por muito tempo (algumas horas!) pode ter consequências indesejáveis (como queimaduras e irritação). Normalmente, a concentração de ácidos no vinagre de maçã e no suco de limão não são tão altas. Mas se você resolver preparar seu cosmético em casa, lembre-se que estará assumindo por conta própria um risco muito alto para um benefício talvez pouco significativo. Acidentes acontecem… erros de produção industrial acontecem… mas quando você erra em casa, fica complicado ter suporte judicial para se proteger. A responsabilidade é toda sua!

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Frutas cítricas naturalmente contém furocumarinas, que podem ser tóxicas para a pele se exposta ao sol
Foto: Viacheslav Blizniuk / FreeDigitalPhotos.net

Particularmente no caso do suco de limão, há o risco da fototoxicidade, isto é, da ocorrência de reações tóxicas sob exposição à luz do sol. Já ouviu falar na famosa “queimadura de limão? Pois é, o limão e outras plantas como a salsinha, o aipo, a laranja, a lima, a tangerina, a toranja etc., naturalmente contêm substâncias chamadas de furocoumarinas ou psoralenos, capazes de ocasionar queimaduras na pele se expostas à radiação solar. Portanto, deve-se tomar muito cuidado ao usar este tipo de ingrediente em produtos para a pele ou cabelos. Normalmente, as receitas de cosméticos caseiros recomendam evitar a exposição ao sol. Contudo, se o produto permanece em contato com a pele por algum tempo, é possível que as furocumarinas sejam absorvidas pela pele e ocasionem queimaduras horas após a aplicação ou lavagem. Na versão industrial, os fabricantes de cosméticos têm acesso a versões destiladas desses produtos naturais, chamadas de “extratos desfurocumarinizados”, em que o teor de psoralenos é nulo ou de muito baixo risco. Na verdade, verificar a presença de furocumarinas é uma prática de controle de qualidade que deveria ser adotada por todo fabricante idôneo que visa utilizar tais materiais vegetais.

Outros riscos de preparações caseiras são discutidos no nosso primeiro texto sobre cosméticos DIY, como o risco de contaminação microbiana! Vale a pena conferir para tomar uma decisão mais ponderada!

O que fazer então?

O Cosmética em Foco não pode tomar esta decisão por você. Mas estamos aqui para tentar trazer um equilíbrio de informações, sempre procurando separar o que faz sentido científico daquilo que é falácia. Talvez você já tenha usado algum desses produtos caseiros e tivera resultados excelentes! Que bom! Contudo, talvez você tivera sorte. E não necessariamente o próximo ou a próxima terá a mesma sorte que você. Se optar por fazer seu próprio cosmético com vinagre de maçã ou suco de limão, fique atento aos sinais de mudança ou sensibilidade da pele e, preferencialmente, consulte antes um dermatologista.

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Referências:
Irkoren, S. and Sivrioglu, N. (2014), Unusual burn injury due to application of white vinegar and aspirin mixture. International Wound Journal, 11: 348–349.
Korkmaz, A., Şahiner, . Ü. and Yurdakök, M. (2000), Chemical Burn Caused by Topical Vinegar Application in a Newborn Infant. Pediatric Dermatology, 17: 34–36.
CHEUNG, YY.; LEE, SHC.; HUI, M.; LUK, TNM. (2014) Effect of pH on fungal growth: problems with using vinegar (5% acetic acid) in treating fungal infections. Hong Kong J. Dermatol. Venereol., 22: 57-64.
YAMAMOTO, Y., UEDE, K., YONEI, N., KISHIOKA, A., OHTANI, T. and FURUKAWA, F. (2006), Effects of alpha-hydroxy acids on the human skin of Japanese subjects: The rationale for chemical peeling. The Journal of Dermatology, 33: 16–22.
KEJLOVÁ, Kristina, JÍROVÁ, Dagmar, BENDOVÁ, Hana, GAJDOS, Petr, KOLÁROVÁ, Hana. (2010) Phototoxicity of essential oils intended for cosmetic use, Toxicology in Vitro, 24 (8):2084-2089

Por Ivan Souza

Coordenador de Conteúdo. Farmacêutico Industrial pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). MBA em Gestão Empresarial (UEM). Doutor em Ciências pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP). Experiência em pesquisa e desenvolvimento de inovações no setor cosmético e farmacêutico.

2 comentários

  1. Parabéns pelo post elucidador no meio de tanta “baboseira” e olha que a babosa (aloe vera) tem altas qualidades cosméticas, vale um post só para falar dela nas preparações industriais e até DiY.

    1. Obrigado pelo comentário Flavio. Anotamos sua sugestão. Certamente falar da babosa será bastante interessante!

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