Os riscos de cosméticos DIY

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A ideia para esse texto surgiu há alguns meses quando li a matéria “minha vida sem cosméticos” no site da revista Super Interessante. Segundo eles, o propósito foi que a repórter ficasse duas semanas “usando cosméticos feitos em casa, com produtos naturais, sem substâncias químicas ou componentes cancerígenos”. A matéria é interessante e traz uma abordagem muito diferente do restante de absurdos que estão publicados na internet e compartilhados como se fossem serviço de utilidade pública. Ela apresenta informações úteis e deixa clara a falta de estudos científicos para muitas das receitas publicadas em sites e vídeos. A conclusão da matéria merece destaque especial:

Conversar com um dermatologista também é uma boa ideia: algumas pessoas, por exemplo, têm a pele sensível ao bicarbonato de sódio. Outra sugestão: não caia em tudo que encontrar por aí. Você vai encontrar algumas receitas suspeitas (cuidado redobrado com as que levam limão) e também vai se deparar com algumas informações sem sentido nenhum. Lembre-se: nem todo produto químico é ruim.

Após ler a matéria, passei horas buscando por receitas. Muitas faziam muito sentido, mas a grande maioria faria Linnus Pauling e Galeno revirarem em seus respectivos túmulos. O fato é que o discurso passa pelo natural, alegando que esses cosméticos caseiros preparados com produtos 100% naturais não causam nenhum mal. Aqui preciso de uma pausa para lembrar (alerta de frase clichê!) que veneno de cobra mata e é 100% natural. A principal preocupação quanto aos cosméticos caseiros, ou cosméticos DIY, está na sua segurança e nos riscos de irritação cutânea que eles podem causar.

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Cosméticos DIY são cosméticos feitos em casa, ou cosméticos caseiros.
Foto: everydayplus / FreeDigitalPhotos.net

O que são cosméticos DIY?

O tema foi assunto recente em um dos vídeos da nossa coluna Cosmética em Pauta e como explicado lá, DIY é a abreviação de uma expressão do inglês Do It Yourself, que significa faça você mesmo. Ela se aplica a qualquer área, por isso precisamos especificar aqui que o assunto é sobre os Cosméticos DIY, ou Cosméticos Faça Você Mesmo, ou Cosméticos Caseiros.

Convém não confundir os cosméticos caseiros com cosméticos artesanais. Em muitas situações podem parecer a mesma coisa, mas um cosmético artesanal utiliza ingredientes que possuem estudos de segurança, utilizam níveis seguros de componentes e são próprios para a fabricação de cosméticos. Já os cosméticos DIY são preparados a partir de qualquer insumo presente no ambiente doméstico, por isso também são chamados de cosméticos caseiros (no inglês eles também usam essa denominação com a expressão homemade, que significa feito em casa). É exatamente por ser feito em casa a partir de ingredientes que não segurança comprovada que os cosméticos caseiros oferecem riscos aos consumidores.

Cosmético caseiro é seguro só pode ser natural?

A proposta aqui não é defender a indústria, mas a segurança dos indivíduos. Uma das receitas, por exemplo, utiliza leite em um hidratante para a pele. Então eu pergunto: quem bebe um copo de leite que ficou fora da geladeira por mais de 24 horas? Todos sabem que o leite “azeda” fora da geladeira, então o que faria de um cosmético caseiro com leite de vaca ser mais seguro? Não há conservantes nesses produtos, então estão suscetíveis à contaminação por fungos e bactérias, os mais preocupantes são aeróbios mesófilos, Pseudomonas aeruginosa e Staphyloccocus aureus (se os nomes não dizem muito, clica nos links para entender o motivo da preocupação). Qualquer fabricante de cosmético regularizado junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e Vigilância Sanitária local tem que comprovar que os seus produtos oferecidos ao mercado estão livres desses microrganismos e que caso aconteça uma contaminação desses microrganismos nos produtos, os conservantes ali presentes serão eficazes em não permitir que esses microrganismos patogênicos se proliferem. Ou seja, essas empresas garantes (e assumem o risco sanitário de) que seus produtos são seguros para uso durante todo o prazo de validade. Do cosmético caseiro, quem garante a segurança? Se algo grave acontecer, quem se responsabilizará pelas consequências? Se você entende que sabe que riscos são esses e suas consequências e ainda assim prefere arriscar misturas absurdas, antes de ligar aquele botão com a letra F e preparar cosméticos DIY, imagine o que você vai dizer quando chegar ao hospital e tiver que contar aos médicos e enfermeiros o que aconteceu…

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A Anvisa classifica os produtos em grau de risco 1 e 2

A Anvisa classifica todos os produtos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos em duas categorias de risco, conforme o modo de uso indicado pelo fabricante. Há os produtos com grau de risco 1, que têm risco menor como um shampoo, sabonete, hidratante corporal e esmalte, por exemplo. E os produtos com grau de risco 2, que oferecem risco maior pelo modo de uso, local de aplicação ou pela ação pretendida pelo produto, por exemplo, produtos para a área dos olhos, produtos infantis, shampoo anticaspa, sabonete antibacteriano, dentre outros.

Veja o diz o texto da Resolução RDC No 07, de 10 de Fevereiro de 2015:

Os critérios para esta classificação foram definidos em função da probabilidade de ocorrência de efeitos não desejados devido ao uso inadequado do produto, sua formulação, finalidade de uso, áreas do corpo a que se destinam e cuidados a serem observados quando de sua utilização.

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Para colocar um produto de Grau 2 no mercado, por exemplo, a empresa precisa registrar na Anvisa a sua formulação e apresentar toda documentação que comprove sua eficácia e segurança.

Todos sabem que o suco de limão pode causar queimaduras na pele, mas e outros ingredientes?
Foto: KEKO64 / FreeDigitalPhotos.net

Por que um Cosmético DIY pode ser irritante para a pele?

Os ingredientes usados em cosméticos, bem como os produtos cosméticos são obrigatoriamente testados quanto a sua segurança. Esse tipo de teste realizado in vitro e em voluntários humanos prevê o grau de irritabilidade do produto ou ingrediente ao entrar em contato com a pele (irritabilidade primária) e após algum tempo em contato com a pele (irritabilidade acumulada), além de identificar também sensibilização, fototoxicidade e fotoalergia. Os ingredientes usados nos cosméticos caseiros não seguem nenhuma norma de segurança, não foram previamente testados e não se pode garantir seu grau de irritabilidade cutânea, até porque em muitos casos esses ingredientes são outros produtos já existentes ou alimentos, como o leite, por exemplo.

“O leite é seguro”, alguém pode afirmar. Mas desconheço receita de alimento que indique aplicar leite no rosto, próximo aos olhos. Alguém já jogou leite nos olhos?

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Muita gente surtaria só de imaginar uma criança comendo um giz de cera, mas há quem não se incomode de usar giz de cera para preparar batom e sombra para os olhos. O que dizer da polêmica em relação aos corantes e pigmentos dos batons? Essa preocupação parece não valer para quem prepara o batom caseiro com giz de cera ou outros tipos de corantes, não é mesmo?

Os tão famosos óleos essenciais podem ser também irritantes, tanto é que diversos componentes de fragrâncias devem ser declarados conforme texto da Resolução RDC No 03, de 20 de janeiro de 2012:

Algumas substâncias foram identificadas como causa importante de reações alérgicas de contato entre os consumidores sensíveis a fragrâncias e aromas. Dessa forma a presença dessas substâncias na formulação deve ser indicada na descrição dos ingredientes na rotulagem do produto (na lista dos ingredientes ou composição) de modo a facilitar a identificação destas substâncias pelos consumidores que não as toleram. Portanto, as substâncias abaixo listadas devem ser indicadas na rotulagem do produto pela nomenclatura INCI quando sua concentração exceder: 0,001 % nos produtos sem enxágue e 0,01 % em produtos com enxágue.

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Concluindo…

A decisão por preparar ou não cosméticos caseiros vai de cada um. De um modo geral, não recomendamos o preparo de produtos cosméticos DIY, mas caso a sua opção seja por essa linha por qualquer que seja o seu motivo, pelo menos que essa preparação seja extemporânea, ou seja, preparou, usou, descartou. Não armazene esses produtos nem na geladeira porque, mais uma vez, quem vai assumir o risco se qualquer efeito indesejável acontecer? A mesma regra vale para quem gosta desperdiçar misturar abacate, iogurte e outros alimentos para passar na pele e nos cabelos. E por segurança, nunca, jamais, em hipótese alguma saia no sol com qualquer um desses produtos na pele ou nos cabelos. Isso vale para lembrar que o limão é natural e pode queimar sua pele? Não é só o limão que tem o poder de causar queimaduras severas, outros produtos naturais também.

Por Gustavo Boaventura

Criador e Diretor de Conteúdo. Farmacêutico Industrial pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista em Pesquisa & Desenvolvimento de Produtos Cosméticos. Mestre em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com foco no consumo de cosméticos masculinos. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Experiência em Pesquisa & Desenvolvimento de produtos capilares. É o idealizador e criador do Cosmética em Foco e escreve desde 2007.

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